Terceiro Lugar Mini conto FNAC! – A ESTUFA
A visita de estudo ia ser uma seca de certeza. Nem há cinco minutos tínhamos entrado na estufa e a Rita já estava a suar das mãos.
“Mini Conto Literário” teve um segundo e um terceiro classificados. Estes dois vencedores destacaram-se entre os muitos contos que foram submetidos a concurso nesta que foi uma iniciativa com a parceria da FNAC .
O terceiro lugar foi atribuído a Pedro Miguel Monteiro Gomes e é com muito prazer que o divulgamos no site da Revista Bang!
A Estufa
A visita de estudo ia ser uma seca de certeza. Nem há cinco minutos tínhamos entrado na estufa e a Rita já estava a suar das mãos. Como é que era possível? Nem estava sol! Não era novidade nenhuma a pele dela ter este hábito, mas o tamanho desta poça era um disparate para uma mão, quanto mais para duas entrelaçadas. Nunca vou perceber porque é que a professora nos obrigava a dar a mão uns aos outros, o resultado era sempre este. Supostamente era por segurança, mas segurança de quem? A minha não era de certeza, os meus dedos estavam quase a afogar-se! Enfim, que rica ideia de visita de estudo, acamparmos na estufa… Nem animais giros tem! O Miguel disse que viu uma vez uma pantera, mas devia estar a gozar. Era tão fixe se existisse aqui uma… Será que elas bebem suor?
– Tiago, acorda!
Abri os olhos a muito custo.
– Finalmente! Estamos todos à tua espera.
– O quê… Onde é que estamos? – perguntei eu ainda com a minha voz presa àquele suor insípido.
O Miguel saiu de dentro da minha tenda e vi toda a turma lá fora, prontos para explorarem tudo menos o meu sereno descanso. Senti-me perdido – tinha eu adormecido de repente?!
– Tiago, toca a andar! – disse-me a professora do lado de fora.
Eu não fazia ideia do que se estava a passar, mas lá me levantei.
– O espetáculo dos catos vai começar. Vão lá ter, é já ali à frente – avisou a professora ao Miguel, como se ele fosse o responsável por mim.
A turma seguiu caminho enquanto eu procurei os meus ténis.
– O que é que te aconteceu?
Esfreguei as mãos mas, estranhamente, não senti suor.
– Não sei… Devo ter adormecido.
– Bem, vamos andando. Já deve estar a começar. – O Miguel ia olhando para a turma a desaparecer ao fundo.
– Que espetáculo é que viemos ver?
– Não te lembras? São os catos à luz da Lua. Aparentemente ficam diferentes… – O Miguel continuava com o olhar perdido na distância.
– Vai andando, eu vou lá ter.
Ele estava curioso em ver o espetáculo, mas, por outro lado, a professora tinha-o encarregado de mim. Olhou-me uns segundos, soltou um rápido “De certeza?” – ao que eu acenei que sim – e fez-se à estrada.
Agora já podia pensar com calma. Como é que eu tinha adormecido na tenda? Eu nem me lembrava de ter chegado à estufa… De qualquer das maneiras, ali estava eu. Tinha de ir para o espetáculo dos catos, por isso fui andando. Como se não bastasse sentir-me perdido, o ar estava ocupado por todo o tipo de bichos com asas – libelinhas, mosquitos, moscas –, e eu não sou particularmente fã deles. Nem eles de mim… as picadas falam por si.
Eu não sabia bem onde era o local dos catos, apenas seguia o som dos meus colegas. No trajeto, reparei em várias plantas coloridas, muito diferentes daquelas que eu estava habituado. Umas mais altas, outras com folhos que pareciam ter sido desenhados à mão… a estufa parecia um mundo alternativo.
Aproximei-me de uma e, ao arrancar uma pétala, a planta mudou para uma cor mais acinzentada. Estava mais negra. Tirei outra pétala e menos colorida voltou a ficar. Tentei colocar as pétalas no seu sítio e nesse momento uma libelinha pousou nos seus folhos. Também a libelinha parecia estar a perder cor… Tentei que ela pousasse no meu dedo mas, quando estava prestes a conseguir, senti o meu corpo a ser atirado para o chão.
Olhei para todos os lados mas não havia sinal de nenhum gato gigante pelas redondezas.
– Tiago.
Ouvi uma voz de rapariga a vir de algures por entre as plantas.
– Sim?
A voz calou-se de repente.
Levantei-me, cheio de medo. Voltei a olhar em volta, mas não encontrei nada de estranho. De repente, saltei de susto – alguém me tinha tocado no ombro!
– Rita?! Donde é que tu apareceste? Estás aqui há muito tempo? – perguntei, ainda a medo.
– Algum.
– Não devias estar a ver o espetáculo dos catos?
– Devia. E tu, porque é que não estás?
– Estava a ir para lá…
– Não deves tirar nada às plantas.
Voltei a olhar para a planta – estava mais cinzenta que nunca.
– Volta para o espetáculo dos catos – disse-me a Rita, em tom de ameaça.
Não consegui dizer nada. A Rita virou-me costas e transformou-se numa pantera, ali mesmo à minha frente. Enfiou-se por entre as plantas e perdi-a de vista pouco depois.
De repente, senti um abanão no corpo todo. A visita de estudo ia ser uma seca de certeza. Nem há cinco minutos tínhamos entrado na estufa e a Rita já estava a suar das mãos.
AUTOR:
Pedro Miguel Monteiro Gomes
Bio: Estudou Cinema na ESTC. Gosta de escrever desde pequeno, ainda que o género fantástico seja algo que nunca explorou muito até agora. Trabalha como argumentista e músico.