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O que é um RPG e porquê escrever um? OU A GÉNESE DO THE 101 RPG

por Rui Anselmo

Um RPG, abreviatura de Role Playing Game, é um jogo onde a imaginação partilhada de vários jogadores serve de veículo para contar uma história sobre vários personagens, tipicamente um por jogador, com regras para que haja evolução da história e participação dos jogadores; num RPG típico, há também um jogador especial, com uma denominação diferente para cada jogo, mas que convencionalmente se chama «Mestre de Jogo», por servir de árbitro a disputas, por introduzir elementos de jogo e por, tradicionalmente, fazer avançar a história.

Eu escrevi o The 101 RPG porque durante um jogo de Feng Shui, um RPG baseado nos filmes de acção espectacular e ultra-violenta de Hong Kong, os dados odiavam-me e queriam ver-me morto. Independentemente das minhas descrições fabulosas, não havia maneira de conseguir que elas resultassem.

Bem, o bicho pegou. Ficou-me na ideia escrever algo assim, mas onde fossem as minhas descrições que fizessem as coisas resultar ou não, não um simples lançamento de dados. Assim, escrevi um jogo de conspirações mundiais e acção intensa, baseado nas obras de John Woo, que nos deu uma técnica, hoje sobejamente usada em cinema, chamada Wire Fu, da qual o The Matrix é o mais conhecido exemplo, de Ken Hite, mestre da História Secreta e Alternativa, escritor, entre outros, de vários suplementos para o jogo de RPG, GURPS, e da rubrica Suppressed Transmissions, publicada na revista Pyramid, e, por último, mas não em último, da mente perversa de Warren Ellis, o escritor de comics britânico, sobejamente conhecido pelo seu trabalho em The Authority, Planetary, e a maior influência aqui, de Global Frequency.

The 101 RPG retrata o trabalho de uma organização chamada The 101, nome que significa, não só o número de operativos que a organização emprega a nível mundial, todos com a sua especialidade particular e todos igualmente úteis, mas uma sigla que significa «Guia» ou «Introdução», e pretende ser uma piada interna ao trabalho que desenvolvem.

The 101 RPG é um jogo onde convivem diariamente L. Ron Hubbard, o Santo Graal, Bin Laden e a CIA, Maçonaria, Área 51, a Experiência de Filadélfia, os Nazis do Antárctico, A Verdade Esotérica Escondida nas Obras de Shakespeare, e tudo o mais que vocês consigam imaginar ou ler nos jornais. Aqui, fazem-se experiências para viajar para mundos imaginários, constroem- -se bombas de depopulação, OVNI chegam do futuro, lobisomens uivam à Lua, e sabe-se a verdadeira razão por trás do 11 de Setembro.

É com tudo isto que lida a The 101. Para que estas notícias permaneçam nos tablóides e não saiam para os jornais mais respeitáveis, ficando escondidas do grande público, acessíveis apenas aos maluquinhos das conspirações, que desaparecem de vez em quando, sem deixar rasto. E a única maneira de o fazer é com um pontapé de Kung Fu em cheio na cara.

O operativo da The 101 é um homem ou uma mulher com capacidades físicas, intelectuais, e por vezes sobrenaturais, que o colocam num patamar muito acima do humano normal. Alguns deles não podem sequer continuar a ser chamados «humanos», embora mantenham essa aparência, enquanto outros não são mortais, embora tenham fingido a própria morte, ao longo dos tempos. Todos eles são especialmente treinados para intervir no terreno, seja em combate corpo a corpo, seja em negociação activa de reféns, seja em assassinato. O operacional da The 101 é também a pessoa mais cool à face da Terra: seja a gabardine preta até aos pés e as duas Uzi em riste, seja a cicatriz na cara, o passado misterioso, a catana em plena cidade, ou ainda o facto de segurar uma bola de fogo na mão direita e estar com um sorriso pirómano no rosto. Um agente do 101 é o Neo, interpretado pelo Samuel L. Jackson.

O The 101 RPG é sobre essas pessoas, e o mundo de conspirações onde vivem, mas é também sobre a pergunta essencial que cada um dos agentes coloca no final de cada missão, à qual os jogadores tentam responder: «Até onde estás disposto a ir para esconder a Verdade?»

É que o trabalho de cada agente também é esconder a verdade. Se um OVNI cai no deserto do Arizona, é do interesse da 101 que ninguém saiba disso; esta questão torna-se particularmente interessante e difícil, se dentro do OVNI estiver a cura para o cancro… mas a missão for sobre destruir o OVNI e todo o seu conteúdo.

No The 101 RPG, há uma série de elementos técnicos que permitem ao jogador controlar tudo o que se passa na história, desde que o faça de uma maneira cinematicamente inspiradora. Isto é, ao descrever uma cena de acção, o jogador não diz simplesmente «eu dou-lhe um soco», mas sim «a câmara passa para a minha cara, enquanto grito de raiva e estendo o meu braço direito para ele, seguindo a minha mão até lhe acertar em cheio»; o resultado final é exactamente o mesmo, mas a segunda maneira é muito mais divertida, seguindo as regras dos planos de câmara do cinema, e descrevendo a acção de maneira a imergir completamente os outros jogadores no mundo do 101.

Se seguir continuamente esta regra, o jogador verá a característica «Factor Cool» do seu personagem subir, uma característica que mede tudo o que é fixe no agente, desde a sua atitude, equipamento, passado, maneira como anda ou se apresenta. O «Factor Cool» de um personagem é o que permite ao jogador intervir directamente na história; gastando pontos do seu «Factor Cool», ele pode acrescentar-lhe elementos que, de outra maneira, não estariam lá, como alterações à história, outros personagens, sucessos contra dezenas de inimigos, e, de uma maneira geral, editar a história como lhe aprouver – o único senão é ter a aprovação dos outros jogadores. Se o que ele quer descrever for cinematicamente atraente, então o que pretende conseguir resulta, caso contrário, falha.

O jogo tem um elemento aleatório que está directamente dependente do seu «Factor Cool», e que é usado nas ocasiões onde o resultado final não é previsível, como conduzir um carro a 150 km/h pelas ruas de Nova Iorque em hora de ponta, disparando na direcção dos maus que o seguem de mota e não batendo ou acertando em nenhum inocente; nestas situações, rolam-se um determinado número de dados e compara-se o valor com o seu «Factor Cool»; se o resultado for igual ou inferior, a acção é bem sucedida, se for superior, não. Mas, em qualquer dos casos, se a acção for descrita cinematicamente, então o «Factor Cool» do personagem sobe. Por isso, é sempre bom descrever o que se faz usando técnicas de cinema, como planos de câmara, expressões de cara, ou o já falado Wire Fu, do John Woo.

Cada personagem do The 101 RPG tem várias características essenciais, que contribuem, no início do jogo, para o seu «Factor Cool»: o nome e poderes ou treino, mas também o seu passado e a imagem que projecta; como o jogo é sobre acção cinematográfica e usa uma forte imagem de cinema, esta última característica representa a maneira como o personagem é visto pelos outros jogadores.

No início do jogo são dados os «Parâmetros da Missão», que são os objectivos que se espera ver cumpridos, que podem ir desde não matar ninguém, até assassinar uma figura pública, rapto, extracção de inocentes, roubo de material, entre muitos outros. De preferência, pelo meio irá haver também uma indicação de possível resistência à missão, como soldados inimigos, ninjas, robots, ou lagartos alienígenas inteligentes do futuro, tudo extras que têm como único propósito servir de carne para canhão e fazer os jogadores parecerem «Cool».

Uma missão típica do The 101 RPG pode durar uma tarde e envolver vários combates, perseguições de carro, barco ou helicóptero, ou, às vezes, tudo ao mesmo tempo! Exactamente como se estivesse a ver o The Matrix ou o Missão Impossível; a diferença é que está a participar activamente na história e no seu desenrolar, em vez de estar numa sala de cinema sentado a comer pipocas à espera que o divirtam.

Jogar um RPG é estar activamente no papel de um herói. Jogar o The 101 RPG é estar no papel do personagem que se desvia das balas dos seguranças em câmara lenta, ao mesmo tempo que anda pelas paredes com as suas Glock a disparar e acertar em cheio no olho esquerdo de cada um. Na minha opinião, muito «Cool».

O jogo não está ainda publicado, embora estejam a ser desenvolvidos esforços nesse sentido, mas pode ser jogado na sua versão Beta a partir do seguinte endereço: http://www.abreojogo.com/101_rpg

Aí, podem encontrar o «Documento de Jogo» que contém todas as regras, e várias sugestões para «Missões», assim como a discussão gerada por várias das mecânicas nele presentes. Espero ver-vos por lá.


*O presente texto segue a ortografia pré-Acordo Ortográfico.
Artigo retirado da
revista BANG! n.º 2, publicada em novembro de 2006.

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