Quando é que começou a escrever?
Escrevia fantasia e ficção científica na escola primária. E terminei o meu primeiro livro no oitavo ano. Era sobre alienígenas que invadiam a Terra e se envolviam numa batalha ancestral entre Ramsés I e Hititas. No secundário, escrevi para o jornal literário da escola. Entretanto, enquanto estive nas forças armadas e na universidade, pus a escrita de lado e só retomei quando comecei a trabalhar na General Motors. Um dia estava a ler um livro de fantasia do Lin Carter, arremessei‑o para o outro lado da sala e jurei que conseguia fazer melhor do que aquilo. Comecei logo a trabalhar, usando a máquina de escrever e o papel da empresa.
Conseguia escrever durante o trabalho?
Trabalhei mais de três décadas numa linha de montagem. Era um emprego que quase mais ninguém queria. Foi difícil de aprender, mas uma vez que adquiri essa competência, conseguia‑o fazer quase sem esforço mental, por isso era capaz de escrever em simultâneo. Nessa altura conseguia escrever três livros por ano.
Pode falar-nos um pouco sobre a publicação de As Crónicas da Companhia Negra?
Quando submeti pela primeira vez A Companhia Negra, o manuscrito foi parar às mãos da editora de terror da Tor Books. Ela rejeitou o manuscrito, não gostou de nenhuma das personagens e classificou‑o como muito estranho, completamente
diferente daquilo que era publicado e idealizado na fantasia. Meses mais tarde ligou‑me a dizer que não conseguia tirar o livro da cabeça e que estaria disposta a mudar de ideias – se eu expandisse o livro para uma trilogia e fizesse algumas alterações mais simples.
O que o motivou a escrever algo tão diferente daquilo que era publicado e idealizado na fantasia?
Não tive qualquer outra motivação senão a vontade de contar uma história pelos olhos dos soldados que tinham de fazer todo o trabalho. Eu fui soldado, depois trabalhei três décadas com homens que, na maior parte dos casos, foram eles próprios soldados na Segunda Guerra Mundial, Coreia ou Vietname. Não conheci nenhuns príncipes, princesas ou barões. Conheci pessoas que trabalhavam com as mãos. Não tinha nenhuma missão ou visão em especial, só tinha a história. Nunca considerei que o que eu estava a criar seria algo tão vincadamente diferente.
Qual pensa ter sido a sua maior influência na fantasia enquanto género? Muitas pessoas pensam que existe um antes e um depois d’As Crónicas da Companhia Negra?
Não sei como responder a essa pergunta. Sou introvertido, não presto atenção ao burburinho na internet, e raramente entro em contacto com críticos ou leitores. Ocasionalmente, um novo autor envia‑me um trecho que diz ter sido inspirado por mim, o que é deveras lisonjeador. Tornei‑me amigo do Steven Erikson, mas normalmente não penso nesse tipo de coisas. Escrevo apenas algumas histórias para mim, esperando que alguém as publique, e raramente fico mais envolvido do que isso.
Mas quando é que descobriu que, como disse Steven Erikson, A Companhia Negra tinha mudado o que era a fantasia até então?
Suspeito que haja aí algum exagero. Posso, contudo, ter proporcionado o entreabrir dessa porta. Steven Erikson, que já reconheceu que, com Malazan, tencionava escrever algo semelhante As Crónicas da Companhia Negra, provavelmente teve mais visibilidade do que eu pois conquistou uma audiência mais generalizada. Acho que sou um escritor para escritores, um autor mais valorizado por outros autores do que pelo público em geral. Muitas das minhas obras, não só As Crónicas da Companhia Negra, influenciaram novos autores.
Porque é que acha que As Crónicas da Companhia Negra são tão populares entre os soldados de várias gerações?
Bem, as personagens da história comportam‑se como verdadeiros soldados. Não glorificam a guerra; apenas fazem o seu trabalho. As personagens são soldados reais. Não são militares imaginados por pessoas que nunca estiveram nas forças militares. Esse é o motivo por que os militares gostam da série. Muitas das primeiras personagens foram inspiradas nos homens
com quem fiz o serviço militar. Os modelos comportamentais são basicamente o que se pode esperar se nos alistarmos numa unidade pequena.
É conhecido pela voz contemporânea da usa escrita. O que o levou a esse estilo?
No início da minha carreira decidi que, mesmo que uma pessoa utilize um tipo de linguagem numa determinada situação, pode usar uma linguagem diferente noutra. Um autor omnisciente não deve intrometer‑se nisso. Queria que a minha escrita refletisse a maneira como as pessoas falam realmente. Era suposto ser um contar de histórias num bar, em vez de nasceu alguém a escrever formalmente sobre elas. Acho que consegui isso com A Companhia Negra.
Qual é o elogio que recebeu mais frequentemente durante a sua carreira?
«Tu sabes exatamente como é», ou algo do género, de colegas militares, não só de conterrâneos, mas também de outros países. Ou, às vezes, relativamente aos meus personagens: «Conheço estes tipos! Eles eram do meu pelotão/ou do meu navio».
O seu trabalho influenciou muitos autores. Quais foram os que mais o influenciaram?
Fritz Leiber, Robert E. Howard, Jack Vance, Tolkien, E. R. R. Eddison, e muitos outros escritores clássicos de fantasia e mistério.
Gostaria de recomendar algum novo autor aos seus leitores?
Sem citar o Erikson (gosto do estilo dele, é brutal com as suas personagens) ou o Esslemont, é difícil. Atualmente quase não leio fantasia, excetuando alguns autores de ficção juvenil e manuscritos que os editores me enviam na esperança que eu faça uma crítica positiva. Às vezes até faço. Gostei dos livros que li do Joe Abercrombie e do Patrick Rothfuss.
Que conselho dá aos novos autores?
Só um: sentem‑se e escrevam. Mas leiam muito antes, durante e depois.
Esta revista é lida por milhares de leitores de fantasia. Para aqueles que nunca leram A
Companhia Negra, o que diria para lhes despertar a curiosidade?
Para mim é um pouco difícil, e ligeiramente embaraçador, falar sobre aquilo que escrevo. Já escrevi mais de cinquenta livros, mas não tenho uma ideia clara de porque é que A Companhia Negra causou mais impacto do que os outros. Eu adoro a série porque foi vantajosa para mim, e a razão do seu sucesso talvez resida nas personagens, no seu desenvolvimento, na forma como enfrentam a vida dura e incerta de militares. E, só por acaso, tudo se passa num mundo de fantasia.
Por favor, diga-nos que irá haver uma adaptação televisiva da série!
A série televisiva de A Companhia Negra está em suspenso há sete anos. De cada vez que parece que está prestes a avançar, alguma coisa acontece. Nada que não seja típico em Hollywood. Mas acabaram de renovar os direitos, talvez seja desta!
E não gostava de vir a Portugal?
A Saída de Emergência convidou‑me, mas tive de recusar. Atualmente não vou a lado nenhum onde não consiga chegar de carro. O convite devia ter vindo há 20 anos! Mas desejo aos meus leitores portugueses que a leitura de A Companhia Negra seja uma viagem inesquecível.