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Luis Melo, uma jornada pela criatividade

O percurso do Luis Melo é tudo menos linear. Mas as vezes é preciso afastarmos-nos para nos descobrimos,e voltar ao ponto de partida.

Nos últimos meses, o já longo e fértil portefólio de Luís Melo, ilustrador e concept artist de 37 anos, sofreu uma extraordinária reviravolta. Os trabalhos mais recentes apresentam um novo estilo, repleto de imagens fotográficas, elementos gráficos, referências retro e cores vibrantes e saturadas. A juntar a essa nova fornada de ilustrações, Luís Melo realizou, nessa mesma linguagem de colagem digital, um booktrailer para o livro Roadside Picnic, de Arkady e Boris Strugatsky, que apresentou ao público na edição deste ano do Fórum Fantástico.

Esta viragem tão marcada para um estilo mais pessoal pode, à primeira vista, parecer arriscada para o meio dos videojogos, uma indústria que tem vindo a uniformizar os estilos e o gosto e em que a diversidade é cada vez mais controlada. No entanto, depois tantos anos e incontáveis projectos generalistas, faz todo o sentido sair da alçada dos directores de arte, desenvolver uma nova linguagem e procurar clientes que lhe proporcionem mais liberdade.

 

 

Mas voltemos ao início.

 

Ao chegar aos anos finais do curso de Design de Comunicação, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, cidade de onde é natural, Luís Melo estava saturado. Durante o curso, tinha-se interessado sobretudo por tipografia, mas até esse encanto se tinha desvanecido, e tudo o resto lhe parecia pesado, complicado e demasiado ligado ao universo da arte contemporânea, por inclinação dos professores.

Foram os jogos de computador e, sobretudo a possibilidade de vir a desenhá-los, que o fizeram recuperar o entusiasmo pelo desenho, descobrir Concept Art e abrir as portas da arte digital. Estava-se então em 2003 e a formação foi buscá-la aos fóruns e tutoriais online.

Foi também nesses fóruns, hoje desaparecidos, que conseguiu o seu primeiro emprego em jogos, e que foi alimentando a sua lista de clientes enquanto freelance. Fez de tudo um pouco: ilustração, concept e cenários para jogos, até cores para banda desenhada. «Aparecia-me sempre um trabalho na altura em que eu estava a precisar.»

 

Experiências internacionais

 

A certa altura, um dos seus clientes, a chinesa Spicy Horse, deu-lhe a oportunidade de integrar a equipa. Luís Melo, que já se encontrava à procura de uma desculpa para fazer as malas, aterrou então em Xangai, para participar no projecto “Alice Madness Returns”. «Cheguei lá ainda no processo de pré-produção, eles estavam estranhamente abertos às ideias dos artistas. Nesse aspecto foi mesmo muito gratificante.» Foi um trabalho que o marcou porque pode fazer parte de uma equipa grande, de algo maior, ver tudo a ser construído à frente dos seus olhos. Foi o projecto ideal, dificilmente viria a encontrar condições tão boas.

 

Acabado o projecto, voltou para a sua vida de freelance em Lisboa, mas a história voltaria a repetir-se e, após vários convites, acabou por aceitar um emprego como concept artist e Ilustrador na Volta, empresa de outsourcing de arte para filmes e jogos no Quebec, Canadá. O trabalho revelou-se variado, tendo por vezes de pegar em vários projectos com estilos artísticos bastante distintos. Desenvolveu arte para Shadow of the Tomb Raider, Middle Earth: Shadow of Mordor, o jogo para telemóvel de Chuck Norris, entre muitos outros. Porém, a rotação rápida de projectos exigentes amplamente diferentes, apesar de estimulante, acabou por se provar desgastante a longo prazo.

 

 

De volta à base

 

Apesar de tudo, em Lisboa, o seu trabalho era mais variado. Além do trabalho em jogos de computador, tinha também pedidos para capas de livros, tanto de editoras estrangeiras como portuguesas (a Saída de Emergência, entre outras). Dentro dos vários registos especializou-se em fantasia. «Às tantas comecei a ficar conhecido com artista de Steam Punk, sem sequer gostar do estilo.»

E havia um gozo especial em trabalhar em capas para livros, porque «é um trabalho completo, do qual eu sou o autor, e há menos passos intermédios entre mim e o criador da obra».

 

Do lado da Concept Art, estava a chegar a um ponto de saturação, cansado de mudar constantemente de projectos, e a sentir uma certa desilusão com o papel relegado ao concept artist na indústria dos jogos. Luís Melo confessa-se cansado das opções estéticas que se têm repetido no mainstream. «Comecei a sentir que era tudo igual e comecei a ficar mesmo saturado com o próprio look da concept art. Não é assim que eu vejo a arte e não foi para isto que eu comecei a desenhar.»

 

Decidiu assim fazer uma pausa do trabalho comercial e renovar o seu portefólio com peças que realmente representassem o que queria fazer.

 

«Comecei a desenvolver um interesse pessoal pela colagem e pelo efeito imediato que tens em juntar duas coisas diferentes e o teu cérebro ser obrigado a fazê-las funcionar.» Descobriu uma maneira mais improvisada de trabalhar, de desenvolver os personagens sem ter a composição feita, combinar elementos sem um plano, fazer as coisas resultar depois de ter o material executado, ser obsessivo com um personagem ou aspecto da ilustração e deixar outros aspectos mais crus. «A piada de ser artista é ir atrás daquelas faíscas que surgem. Um dia não te apetece estar no estúdio e vais lá para fora com a máquina fotográfica, e acabas por usar as fotos num projecto que estás a fazer.»

 

Esta abordagem diferente do método tradicional, que começa com vários esboços para ir refinando o trabalho, exige um cliente que confie e lhe dê liberdade. Felizmente, as novas peças no portefólio deram origem a propostas de trabalho muito interessantes, como, por exemplo, um cartaz para o DJ de old-school electro Egiptian Lover assim como as capas dos singles de vinil.
Aliás, o funk, juntamente com o retro-futurismo, são dois ingredientes fundamentais do mote para o seu website/portefólio/marca, a que deu o nome de “Party In The Front”. Também voltou a ser contactado por pequenas editoras e criadores independentes, para criar capas de livros, ilustrações e prints. Mais uma vez voltou a encontrar aí um espaço para explorar a sua técnica com mais autonomia.

Ao atravessar este processo de renovação, Luís Melo fez as pazes com a bagagem que trouxe tanto das Belas Artes como da Concept Art. Ao fim de tanto tempo, diz valorizar bastante muitos aspectos do curso: ir mais fundo, pensar a ilustração, questionar, desconstruir, justificá-las nem que seja para si próprio, procurar referências diferentes. O meio académico tem um modo de ver a arte totalmente oposto ao ponto de vista da indústria, por vezes desprezado por quem faz trabalho mais comercial, mas é enriquecedor ter essas duas influências tão distintas.

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