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Feitiços e Terrores

por António Monteiro

No dia 22 de Janeiro de 1906 nascia, na pequena localidade de Peaster, no Norte do estado norte-americano do Texas, aquele que muitos consideram o pai das histórias de «espada e feitiçaria» (1), que a partir de meados do século XX se haveriam de tornar extremamente populares, continuando o género a merecer, ainda nos nossos dias, a atenção de muitos e conceituados autores.

Filho único do médico itinerante, Dr. Isaac Mordecai Howard – pioneiro da colonização do sudoeste americano – e de Hester Jane Ervin Howard, a criança recebeu o nome de baptismo de Robert: Robert Ervin Howard. A sua obra literária foi comentada nos termos mais elogiosos, entre muitos outros, por Howard P. Lovecraft e por Stephen King. Acerca do seu conto «Pigeons from Hell», afirmou este último tratar-se de «uma das melhores histórias de terror do século».

Desde cedo, o jovem Robert revelou interesse pelos livros e por aprender, se bem que não apreciasse a disciplina da escola. O meio ambiente em que cresceu levou-o a aperceber-se, ainda em criança, da existência da maldade à sua volta, com violência, o aumento da criminalidade provocado pelo nascente negócio do petróleo. Essa vivência com uma acentuada componente física trouxe-lhe, em particular, um gosto pelos desportos, entre eles a luta livre, a halterofilia e especialmente o boxe. Essa apetência pela actividade física decerto terá contribuído para a criação de algumas das suas mais famosas personagens, como o guerreiro bárbaro Conan.

O gosto pela leitura e um talento inato para a escrita levaram o jovem Robert, ainda antes de completar 10 anos de idade, a iniciar-se na escrita de histórias de aventuras, em que descrevia lutas e batalhas envolvendo povos diversos como os Vikings ou os Árabes.

A partir de 1919, a família mudou-se para a localidade de Cross Plains, sempre no Texas, onde Robert Howard viveria até ao fim dos seus dias. A cidade haveria de desenvolver-se extraordinariamente a partir do ano seguinte, devido à descoberta de petróleo nas suas imediações. Os efeitos deste súbito enriquecimento não se terão feito esperar e impressionaram sobremaneira o jovem, o qual, anos mais tarde, numa carta escrita a Howard P. Lovecraft, haveria de recordar os jovens desse tempo que vira cair nas teias do crime, da droga, da bebida e do jogo.

Aos 16 anos, Robert foi completar os seus estudos secundários na cidade vizinha de Brownwood, onde continuou a desenvolver o seu gosto pela História, pela escrita e pela poesia, na companhia de colegas como Tevis Clyde Smith e Truett Vinson. Foi precisamente no jornal do liceu de Brownwood, The Tattler, nesse ano de 1922, que Robert E. Howard publicou as suas primeiras histórias, Golden Hope’s Christmas e West is West, ambas premiadas. Dois anos mais tarde, em 1924, enquanto frequentava em Brownwood um curso de estenografia, vendeu a sua primeira história à famosa revista Weird Tales (2), que tinha sido fundada por J. C. Henneberger no ano anterior. Ao longo dos anos, Robert E. Howard haveria de converter-se num dos mais importantes autores desta publicação.

Entretanto, enquanto ganhava algum dinheiro com diversas ocupações menores, o jovem autor desenvolveu um grande interesse pela poesia, escrevendo centenas de poemas, muitos dos quais publicados também na Weird Tales, outros em várias outras revistas da especialidade. Esses poemas tratavam da mesma temática que os contos que escrevia, incluindo cenas de guerra e violência. Embora acabasse por se afastar da poesia, sensivelmente a partir de 1930, a sua experiência nesse campo pode encontrar-se nos seus textos em prosa, que são vibrantes e utilizam uma panóplia de imagens poderosas.

Ao mesmo tempo, um tanto frustrado pelos trabalhos que conseguia encontrar e que lhe desagradavam profundamente, envolveu-se mais no mundo do boxe, tendo combatido amiúde.

Em 1926, escreveu a que viria a ser uma das suas mais importantes histórias, The Shadow Kingdom, que viria a ser publicada na Weird Tales três anos mais tarde. Nela, o autor utilizou novos conceitos, juntando elementos de fantasia e terror com outros oriundos do romance de aventuras, da Mitologia e do romance histórico, criando assim o novo estilo que viria a ser universalmente conhecido por «sword and sorcery». O protagonista de The Shadow Kingdom era o bárbaro Kull, antecessor de outras criações mais famosas, como Conan. A publicação desse conto representou um momento de viragem na vida de Robert Howard, que abandonou os empregos que até aí tivera e os cursos técnicos que frequentara, para se converter num escritor a tempo inteiro.

Anteriormente, em 1928, nascera outra das suas mais conhecidas personagens, o espadachim puritano, Salomão Kane. Fazendo a sua primeira aparição em Red Shadows, conto publicado nesse ano na Weird Tales, a personagem teve assinalável êxito, acabando por figurar em sete histórias publicadas na revista entre 1928 e 1932. Curiosamente, como a publicação de Red Shadows acabou por preceder a de The Shadow Kingdom, escrita anteriormente, acaba por ser aquela a primeira história publicada no género «espada e feitiçaria». Deve observar-se que, se algumas das aventuras de Salomão Kane se passam na Europa (nomeadamente em Inglaterra), várias outras são situadas em África, moldada pela imaginação do autor e povoada pelo sobrenatural e pela magia.

Em 1929, surge também outra das suas criações, desta vez em histórias passadas no mundo do boxe: o marinheiro Steve Costigan. As suas aventuras foram publicadas em revistas como Fight Stories e Action Stories.

A partir de 1930, para além de diversas histórias de ambiente celta, Robert Howard publicou várias histórias, consideradas entre as suas melhores, na revista Oriental Stories, fundada pelo famoso Farnsworth Wright. Ali, deu largas ao seu gosto pela História Antiga, durante o curto período de vida da publicação, que terminou em 1934.

Foi precisamente por intermédio de Wright que, em meados de 1930, Robert E. Howard encetou uma vasta correspondência com Howard P. Lovecraft, que haveria de se prolongar pelos últimos seis anos da sua curta vida, acabando por integrar o chamado «Círculo Lovecraft». O já veterano escritor de Providence deu ao jovem Robert a alcunha de «Two-Gun Bob» e pô-lo em contacto – como, de resto, era seu hábito – com outros escritores como Clark Ashton Smith, August Derleth, etc. Da correspondência com Lovecraft, destaca- se a atitude filosófica de cada um quanto à oposição entre a barbárie e a civilização, defendendo Lovecraft que a civilização era o destino e finalidade última da espécie humana, enquanto Howard pensava, pelo contrário, que a barbárie é própria da condição humana e que prevalecerá sempre.

Nessa época, Robert E. Howard escreveu diversas histórias inspiradas nos universos ficcionais de Lovecraft, incluindo The Black Stone (1931), The Thing on the Roof  (1932) e The Hoofed Thing (publicada em 1970). Como é bem sabido, Lovecraft encorajava frequentemente os seus colegas e correspondentes escritores a utilizar e acrescentar a mitologia que ele próprio ia construindo e a contribuição mais significativa de Howard, nesse domínio, foi a introdução do livro Unaussprechlichen Kulten (3), da autoria de um certo Friedrich Wlhelm von Junzt (4), e do poeta louco Justin Geoffrey, este último, quem sabe se representando vagamente o próprio Robert.

Robert Howard escreveu ainda alguns contos que parecem ter sido claramente influenciados pela obra de Arthur Machen (5), popularizada na década de 1920, entre eles The Little People (1928), The Children of the Night (1931), Worms of the Earth (1932) e People of the Dark (1932).

No entanto, os efeitos devastadores da Grande Depressão americana, iniciada em 1929, viriam a afectar duramente o escritor, não só devido ao encerramento de várias das revistas para as quais escrevia, mas também pela perda das suas economias, em 1931, em virtude da falência das instituições bancárias em que as colocara.

Em 1932, durante uma viagem pelo Sul do Texas, Robert Howard inspirou-se na paisagem ao seu redor para imaginar a região fictícia da Ciméria, que alguns comentadores consideram reflectir a ideia que o autor teria das Ilhas Britânicas, não tendo, por conseguinte, nada a ver com o povo cimério, que viveu a Norte do Cáucaso, no segundo milénio antes de Cristo. Nessa remota Ciméria, de clara inspiração celta, Howard colocou o que haveria de ser o seu mais célebre filho espiritual, o bárbaro Conan, cujas aventuras decorrem na mítica Era Hiboriana, entre lutas, monstros e feitiçaria.

A primeira aparição de Conan – não contando com uma história que se pode considerar, até certo ponto, sua precursora – registou-se no número de Dezembro de 1932 da revista Weird Tales. Tratou-se de The Phoenix on the Sword. Até 1936, nada menos que 17 histórias com as aventuras de Conan apareceram nas páginas da revista.

Durante a década de 1930, Robert Howard experimentou também o género policial – que não lhe agradou – e também o western, a que se dedicou com entusiasmo e êxito, publicando diversas histórias em revistas como Action Stories (que haveria de publicar em cada mês uma nova história com a personagem Breckenridge Elkins, desde 1933 até à morte do autor), Argosy e Cowboy Stories. No início de 1936, o autor vendeu ainda diversas histórias levemente eróticas à revista Spicy-Adventure Stories.

Robert E. Howard nunca casou e a única relação mais ou menos profunda que se lhe conheceu foi com Novalyne Price, professora liceal e escritora. Muito influenciado pela mãe, cujo estado de saúde o preocupava, Robert não conservou a ligação com Novalyne. A sua vida foi-se complicando à medida que Hester Howard, que sofria de tuberculose, foi piorando, e o jovem começou a conceber o suicídio. Tendo redigido um testamento, dado instruções adequadas ao seu agente literário e pedido uma arma emprestada a um amigo, Robert Ervin Howard pôs termo à vida no dia 11 de Junho de 1936, com apenas trinta anos de idade.

Alto e entroncado, Robert Howard surpreendia muitas vezes os que o encontravam e tinham dele uma ideia completamente distinta, a partir da sua produção literária e poética. Possuía uma memória quase fotográfica, sendo capaz de decorar longos textos e poemas com grande facilidade. Ao todo, produziu mais de trezentas histórias (116 das quais publicadas profissionalmente durante a sua vida, entre elas 49 em Weird Tales) e quinhentos poemas (dos quais mais de setenta por cento foram publicados). Entre as influências que sofreu ao longo da sua vida literária, contam-se as narrativas que ouviu de veteranos da Guerra Civil americana, as histórias da colonização do sudoeste americano e também as histórias de assombrações contadas por antigos escravos, especialmente a cozinheira Mary Bohannon.

Não será, pois, de admirar que Robert E. Howard utilize nos seus contos uma grande variedade de seres sobrenaturais, onde se incluem lobisomens, vampiros e toda a gama de feiticeiros.

Segundo L. Sprague de Camp, «Howard era por natureza um contador de histórias, cujas narrativas são inigualáveis, no que se refere à acção vívida e absorvente». Hoffman Reynolds reconheceu que a qualidade da sua escrita era «superior à de alguns best sellers», enquanto Stephen King – que confessadamente não nutre grande apreço pelas histórias de «espada e feitiçaria» – afirmou que «Howard ultrapassa as limitações do seu material […] pela força e fúria da sua escrita e pela sua imaginação, que era poderosa».

S. T. Joshi é consideravelmente mais moderado na sua apreciação global da obra de Robert E. Howard, especialmente no que respeita ao seu enquadramento no campo da literatura sobrenatural, considerando pouco conseguidas as suas histórias inspiradas na obra de Lovecraft, mas reconhecendo claramente a importância do autor, em especial no que toca ao ciclo de Conan. Na verdade, com adaptações ao cinema em 1982, 1984 e 2011 (6), a influência de Conan, o Bárbaro na cultura contemporânea tem sido comparada à de ícones da estatura de Tarzan, Drácula, Sherlock Holmes ou James Bond.

A casa de Cross Plains onde o autor viveu é hoje o Museu Robert E. Howard.


(1) Sword and sorcery, em inglês; o género é também designado por «fantasia heróica». A expressão «sword and sorcery» foi, ao que parece, inventada por Fritz Leiber, em resposta a uma pergunta de Michael Moorcock. As histórias de «espada e feitiçaria» têm as suas raízes profundas em duas tradições fundamentais: a Mitologia (grega, romana, nórdica e árabe) e os chamados romances «de capa e espada» como os que foram escritos por Sir Walter Scott, Alexandre Dumas (pai) e muitos outros.

(2) A primeira história de Robert E. Howard publicada na Weird Tales foi Spear and Fang, publicada no número de Julho de 1925.

(3) O livro foi citado pela primeira vez em 1931, nos contos The Black Stone e The Children of the Night.

(4) O apelido «von Junzt» foi criação de Robert Howard, enquanto os primeiros nomes «Friedrich Wilhelm» foram acrescentados por Lovecraft.

(5) A importância de Machen foi reconhecida por Lovecraft que, no seu ensaio «Supernatural Horror in Literature» o considerou como um dos quatro mestres modernos da literatura do sobrenatural, sendo os outros três Algernon Blackwood, Lord Dunsany e Montague R. James.

(6) Nos filmes Conan the Barbarian (1982) e Conan the Destoyer (1984), o papel do bárbaro foi interpretado por Arnold Schwarzenegger, enquanto em Conan the Barbarian (2011) o actor escolhido foi Jason Momoa.


*O presente texto segue a ortografia pré-Acordo Ortográfico.
Artigo retirado da
revista BANG! n.º 16, publicada em junho de 2014.

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