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Fantasia Urbana ou Romance Paranormal?

AS CARACTERÍSTICAS E OS SEGREDOS DOS DOIS GÉNEROS QUE TOMARAM CONTA DOS TOPS por Safaa Dib

Qualquer leitor português que acompanhe regularmente as novidades editoriais apercebe-se de uma tendência nos últimos anos que tem vindo a estabelecer-se firmemente, ofuscando os habituais romances ou bestsellers contemporâneos de autores consagrados. Alguns podem dizer que é a moda do momento, até vir uma nova vaga de obras bem-sucedidas. Mas desde o sucesso fulminante de Harry Potter, de J. K. Rowling, e o revivalismo de J. R. R. Tolkien no início da primeira década do milénio, até ao fenómeno de vendas gerado por Stephenie Meyer, já se passaram alguns anos e o rótulo de “moda” deixou de fazer sentido.

Falamos de um género designado por fantasia na sua concepção mais abrangente, e que não surgiu recentemente. Tem sido, desde há décadas, um lugar de encontro de muitos autores que compreenderam a possibilidade de criar mundos que expandem o nosso, ao mesmo tempo que expõem as suas ideias, reflexões, denúncias. O leitor tem de acreditar, mas o autor tem de ser credível e plausível se quer convencer o seu leitor.

É seguro afirmar que a fantasia já não é mais uma moda, mas se começarmos a debater os seus inúmeros sub-géneros, podemos então notar as várias tendências actuais. Se em Portugal chegámos tarde à fantasia, vivendo ainda uma espécie de infância que caminha lentamente para a puberdade, é certo que no estrangeiro, em particular nos mercados norte-americano e britânico, o género evoluiu e foi há muito aberta a passagem para novos tipos de fantasia. Esta sofreu mutações, fundiu-se e adquiriu muitas variantes. Deu origem a nichos que têm leitores bastante leais e que geraram fandoms.

Actualmente em Portugal, já todos os leitores compreendem facilmente a distinção entre fantasia épica e fantasia urbana. Enquanto a primeira envolve cenários de inspiração medievalista, com demandas por guerreiros ou heróis que têm de salvar o mundo do mal, a fantasia urbana envolve enredos em cenários urbanos contemporâneos ou alternativos, centrados em personagens fortes e individualistas que se tornam o foco da acção. As múltiplas histórias de uma fantasia urbana são todas orientadas e moldadas em torno da personagem e respectivo amadurecimento psicológico.

A fantasia épica pode ter dado muitas cartadas de 2001 a 2008, mas não é preciso estar muito atento para compreender como dois sub-géneros explodiram, em força, no mundo editorial português da fantasia, relegando os épicos para segundo plano. Falo, claro, da fantasia urbana já referida (que já dominava com os livros de Harry Potter, de J. K. Rowling) e o romance paranormal. E qual é a diferença?, perguntam os leitores. Não é a mesma coisa? Não é, como eu própria vim a descobrir. São dois mundos vastos, povoados por autores e convenções bem distintas.

Para melhor compreender a distinção, não há nada melhor do que ilustrá-la com exemplos. Olhando para os tops de vendas do último ano e meio, vemos um ou outro ocasional autor de fantasia épica como George R. R. Martin, Patrick Rothfuss e Paul Hoffman, mas o verdadeiro sucesso, actualmente, reside em autoras como Stephenie Meyer, Charlaine Harris, J. R. Ward, P. C. Cast & Kristin Cast, e agora, a juntar-se regularmente a este grupo de elite de vendas, Sherrilyn Kenyon.

Todas elas são casos muito curiosos de fantasia urbana, ou romance paranormal, ou mesmo uma fusão de ambos.

Comecemos por P. C. Cast & Kristin Cast. Mãe e filha criaram com a sua série Casa da Noite algo que poderia ser considerado como o Harry Potter com vampiros. A acção passa-se numa realidade alternativa em Tulsa, EUA, na qual alguns adolescentes são marcados com uma tatuagem na testa pela deusa Nyx. Nesse momento, estão destinados a passar por uma mudança que os torna vampiros (no caso destes livros, vampyros), embora nem todos sobrevivam no fim. Após ser marcada, e se quer continuar a viver, a protagonista Zoey Redbird tem de entrar na Casa da Noite, onde fará parte de um novo mundo, cheio de perigos, mas também de amizade e amor. É uma fantasia urbana paranormal típica, em que o foco está na personagem principal, Zoey, não sendo necessariamente essencial para a história os seus amores e desamores (e são muitos).

Para se tornar parte da literatura romântica (em português, o termo “romance” tem uma definição associada a “novel”), um livro tem de respeitar certas convenções. De acordo com a Romance Writers of America, «dois elementos básicos existem em toda a literatura romântica: uma história de amor central e um final emocionalmente satisfatório e optimista». Após muitos obstáculos e odisseias, os amantes rendem-se, finalmente, ao amor incondicional. Pode ser um tipo de literatura direccionado para o público feminino, perante o qual muitos leitores franzem o sobrolho. Na verdade, muitas vezes, a qualidade destes livros é questionada, bem como o enredo sempre semelhante em tantos livros, mas que atire a primeira pedra a mulher que não aprecia boa literatura romântica, emocionalmente bem descrita e intensa. E ela existe e vive com boa saúde.

Mas desengane-se o leitor se julga que não existe nada mais para além de literatura romântica contemporânea. Muitos sub-géneros dominam esta área, seja o romance paranormal, a literatura romântica histórica (não confundir com romance histórico), a literatura romântica passada no período da Regência do Império Britânico, o suspense romântico que envolve mistérios, suspense ou elementos de thriller, e a literatura romântica direccionada para jovens adultos (uma faixa etária que não se impôs em Portugal com esse nome), e muitos mais. Por vezes, o nicho desenvolve-se dentro do nicho e há combinações que nunca julgaríamos existir, como o romance paranormal no período da Regência…

Passemos a outra autora bestseller que se tornou conhecida do público português, Charlaine Harris, um caso difícil de definir. Os fãs da série Sangue Fresco sabem que uma das qualidades da autora reside na construção da personagem central, Sookie Stackhouse, uma empregada de bar telepata, numa vila em Louisiana, povoada por inúmeras criaturas paranormais. Até ao 5.º volume da saga, já encontrámos vampiros, lobisomens, metamorfos, fadas, panteras, tigres, ménades, e certamente haverá mais a descobrir nos próximos volumes. Nos primeiros livros, Sookie iniciou uma relação com o vampiro Bill que se tornou central, ao ponto de tudo o resto não passar de um sub-enredo. Mas Charlaine Harris distorce constantemente as nossas expectativas e encaminha a trama numa direcção inesperada, e tudo menos romântica. A certo ponto, a personagem está indecisa em relação a vários pretendentes, e raramente os finais são felizes ou optimistas. Pelo contrário, a personagem desenvolve uma grande força interior e independência, de tantas vezes que esteve à beira da morte. Por isso, fantasia urbana ou romance paranormal? Talvez um pouco de ambos.

Se é difícil classificar as obras de Charlaine Harris, é fácil definir a série Predadores da Noite, de Sherrilyn Kenyon, como o melhor exemplo do genuíno romance paranormal, destinado a uma faixa etária mais adulta, devido à sua componente fortemente erótica. Nesta série, que já vai em seis volumes publicados em Portugal (cinco pela Chá das Cinco e um pela Casa das Letras), Kenyon narra a história de guerreiros imortais que cederam a sua alma à deusa Ártemis, em troca de vingança. Destinados a passarem a eternidade como Predadores da Noite (um misto de vampiros e caçadores), são homens amaldiçoados até encontrarem inesperadamente a mulher certa que os libertará com o seu amor. Se removerem a relação amorosa dos livros de Sherrilyn Kenyon, permanece apenas um mundo interessante, inspirado por elementos da Antiguidade Grega, mas desprovido de acção. É a dinâmica entre o homem e a mulher que move os romances paranormais, e em que as convenções da literatura romântica são respeitadas até à última linha.

Na verdade, o romance paranormal só entrou na consciência do mainstream graças a um livro chamado Crepúsculo, de uma autora mórmon de nome Stephenie Meyer. Todos a conhecemos por esta altura e muito tem sido escrito sobre o sucesso da literatura romântica de vampiros. O seu quarteto tornou-se um fenómeno mundial de vendas, com direito a adaptações cinematográficas, centrando-se na relação conflituosa entre uma adolescente americana e um vampiro. É um romance paranormal claramente direccionado para o público jovem adulto, e se é verdade que Meyer não criou o romance paranormal, deu um enorme puxão de vendas a toda uma série de obras que pertenciam a estes nichos desconhecidos do grande público.

J. R. Ward é outra autora que se notabilizou no romance paranormal, também erótico, à semelhança de Sherrilyn Kenyon, com a sua série Irmandade da Adaga Negra, publicada pela Casa das Letras. São narradas várias histórias sobre irmãos vampiros amaldiçoados que têm de proteger a sua raça. Não falta toda uma mitologia criada pela autora e descrições bastante sensuais, num universo em que as personagens são salvas, ou não, pelo amor.

Será importante distinguir todas estas obras e rotulá-las? Talvez não, mas o certo é que ao inserirmos um livro numa determinada categoria, o leitor ou leitora já saberá o que esperar dele. Poderá ter romance tórrido arrebatador com descrições intensas, ou encontrar uma série cuja acção gira em torno de personagens fortes, cheias de defeitos e virtudes, mas o que é certo, é que em ambos os casos terá uma história como nunca leu antes, credível o suficiente, com grandes doses de realismo, em que se integram na perfeição elementos sobrenaturais. São, acima de tudo, histórias originais, divertidas, emocionais, algumas bem duras, mas, acima de tudo, bem contadas.

E para quem gosta destes dois géneros, temos boas notícias:

vem aí mais e melhor!

Para além das já conhecidas autoras Charlaine Harris (Sangue Fresco) e P. C. e Kristin Cast (Casa da Noite), juntaram-se ao catálogo da BANG! três escritoras populares deste sub-género. Patricia Briggs chegou em Setembro com O Apelo da Lua, sobre uma metamorfa criada por lobisomens. É uma mulher forte e independente, mas até ela terá dificuldade em sobreviver num mundo tão perigoso. A série Wicked Lovely, de Melissa Marr, iniciou-se no mesmo mês com Amores Rebeldes. Uma das maiores herdeiras dos leitores de Crepúsculo nos EUA, conta-nos a história de Aislinn, uma rapariga normal num mundo de magia e fadas. Finalmente, em 2011, apresentaremos a série Rachel Morgan, de Kim Harrison, cuja personagem central é uma bruxa detective num universo alternativo em que um vírus matou um quarto da população humana.


*O presente texto segue a ortografia pré-Acordo Ortográfico
Artigo retirado da revista BANG! n.º 8, publicada em outubro de 2010

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