(A entrevista que se segue é a transcrição de uma gravação áudio, gravada pelo autor para esta entrevista)
Começou a sua série Nascida nas Brumas em 2006, com a publicação de O Império Final. Qual foi a faísca – o primeiro conceito ou ideia, personagem ou situação – que deu vida ao universo do livro?
Diria que a primeira ideia girou em torno de uma possível vitória do vilão. O que aconteceria se os vilões ganhassem? E se o herói profetizado de uma dessas histórias de fantasia épica falhasse? Achava essa ideia fascinante. Nunca tinha lido essa ideia antes. Eu adoro fantasia – passo imenso tempo a ler fantasia. Por isso, criar uma história que subvertesse as convenções soava-me como algo muito interessante.
Tinha consciência, desde o princípio, de que a série Nascida nas Brumas constituiria mais do que uma trilogia?
Não sei indicar o momento exacto em que me apercebi disso. Antes de ser lançado o primeiro livro, falei com o meu editor sobre uma ideia para três trilogias. Ainda estava muito no início do processo, mas acho que ainda não tinha essa ideia quando escrevi a primeira versão do primeiro livro, que não é a versão que acabou por ser publicada.
O cenário e personagens da série tendem a evitar a tendência grimdark que está a dominar grande parte da fantasia contemporânea, com universos negros e desesperantes, e personagens moralmente ambíguas. Foi deliberada da sua parte esta decisão ou não pensava nisso à medida que desenvolvia o mundo ficcional?
Diria que me encontro algures no meio. Grimdark ainda não era tão popular quando escrevia este livro, mas George R. R. Martin era a força dominante na fantasia épica. Houve muitas reacções no sentido de imitar George R. R. Martin da parte de escritores que estavam a começar a escrever ficção. Eu li A Guerra dos Tronos e pensei: «Há alguma coisa que possa aprender com isto?» Ele é certamente um escritor fabuloso, mas acabei por perceber que não era aquilo que queria para mim. Tomei a decisão consciente de não escrever no seu estilo. Gosto de personagens equilibradas e confiantes que, por vezes, cometem más decisões. Acredito que a maioria das pessoas são, em essência, boas, e interessa-me ler sobre pessoas que tentam ser boas. Ambiguidade moral é uma coisa, mas penso que muito do género está a optar por chocar e por dizer «aposto que não sabiam que o herói iria fazer isto», e depois o herói acaba por fazê-lo. Quero que as minhas personagens – até mesmo os vilões – tenham uma centelha de heroísmo. Quero que sejam pessoas que possam ter feito as escolhas erradas, mas que são admiráveis de uma forma ou outra. É por isso que leio ficção e é por isso que escrevo ficção. Diria que não faço conscientemente parte do movimento grimdark. Embora aprecie que a fantasia seja grande o suficiente para abarcar diferentes estilos de escrita e reconheça que muitos desses escritores são excelentes, não é aquilo que quero fazer. Ainda quero escrever sobre heróis, mesmo que sejam heróis com falhas.
Uma das coisas que descreveu com grande cuidado na série Nascida nas Brumas consiste no sistema de magia da Alomância, uma abordagem muito racional da magia, baseada em metais. É também um conceito muito original. O que esteve na origem dessa ideia?
Quando comecei a escrever fantasia, sentia que uma das coisas que [a fantasia] podia fazer melhor, mas ainda não tinha desenvolvido mais, era inovar nos sistemas de magia. Alguns autores estavam a fazê-lo muito bem, e eu sabia que queria fazer parte disso, dessa tentativa de pegar na magia e explorar novas direcções. Era algo que tinha muito presente na minha mente. Quanto à Alomância em si, disse para mim mesmo «quero brincar com ciência e magia». Queria conjugar o lado científico e mágico em simultâneo. Gosto de encarar a magia nos meus livros como um novo ramo da Física que não existe no nosso mundo; isso é algo que acho muito interessante. A ideia que serviu de base para a Alomância era a de um sistema de magia com uma base racional científica, como os vectores e o metabolismo, mas numa pespectiva mágica e com algum sentido de deslumbramento. É o que adoro fazer. É o que me entusiasma na magia. E é por isso que dou por mim sempre a tentar criar sistemas de magia diferentes, baseados, em parte, na ciência.
Brandon Sanderson
Chegou a elaborar as três Leis de Sanderson sobre a criação de sistemas de magia. Como encara a magia na fantasia contemporânea? Acha que os autores de hoje estão a abordar a magia de uma forma lógica e séria ou apenas porque acham que fica bem?
Ambas as abordagens existem e são válidas. Gosto da forma como muitos abordam a magia de uma perspectiva científica, mas não precisa de ser baseada na ciência para ser racional. Podemos criar uma magia que nunca é explicada, mas que é consistente, e isso será tão bom quanto as magias que eu crio. Por vezes, podemos ter a descrição de uma magia incrivelmente inconsistente, mas ainda assim fascinante. Gosto do facto de o género estar a explorar um pouco todas estas direcções e colocar as questões: Porque temos esta magia? O que é que está a acrescentar à história? E o que é que essa magia faz? Estas ideias são muito cativantes para mim e há muitos escritores a levar isso a sério. Fazermos este tipo de perguntas tornou-se a nova tendência da fantasia.
Já era um fã da série A Roda do Tempo, de Robert Jordan, quando foi escolhido para escrever os últimos livros depois da sua morte. Quão desafiante foi pegar na série no ponto em que Jordan a deixou, considerando a magnitude da saga?
É uma excelente questão. Foi um dos maiores desafios da minha vida. É difícil exprimir muito daquilo que tinha de ser feito. Eu precisava de escrever os livros como se ele ainda estivesse presente, mas, ao mesmo tempo, introduzir a minha voz de forma equilibrada. O mais difícil foi lidar com as personagens. Manter-me a par de tantas personagens e escrevê-las de uma forma que lhes fizesse justiça foi a parte mais incrivelmente desafiante, numa série tão popular e bem-sucedida.
Brandon Sanderson é uma estrela em ascensão na fantasia norte-americana, conhecido pela sua saga Mistborn – Nascida nas Brumas, e por ter terminado a série de fantasia épica A Roda do Tempo, de Robert Jordan, após o seu falecimento. Em 2010, iniciou uma nova série de fantasia, Stormlight Archive, com o título The Way of Kings, além de outras séries direccionadas para o público jovem-adulto. Dá aulas de escrita criativa e participa em podcasts sobre escrita e o género fantástico.
*O presente texto segue a ortografia pré-Acordo Ortográfico
Artigo retirado da revista BANG! n.º 16, publicada em junho de 2014