Prólogos: a entrada para um novo mundo
Sobre os prólogos em livros de fantasia épica e o que os torna tão fortes e especiais.
Os autores de livros de fantasia épica são apaixonados por um certo padrão narrativo que comanda qualquer saga que se preze. Para além da inevitabilidade de construírem um arco narrativo que se prolonga por cerca de três a sete livros, ou mesmo mais, há certos elementos que os leitores deste tipo de livros já se habituaram a encontrar: mapas, glossários, índice de personagens e… Prólogos.
O prólogo do primeiro livro numa série de fantasia desempenha um papel especialmente importante. Tem que funcionar a ponto de o leitor terminar a sua leitura e pensar “isto deixa-me curioso/a, quero saber mais”. A última coisa que um escritor quer é um leitor aborrecido, confuso ou desinteressado após a leitura do prólogo.
Isto não significa que o sucesso do livro inteiro dependa dessas primeiras páginas. Afinal A Guerra dos Tronos tem um dos prólogos mais fracos que li e todos sabemos que não falta qualidade ao enredo, escrita e personagens. Mas nesse livro em particular, a abertura está longe de ser um dos melhores feitos de Martin, embora ele tenha compensado com um prólogo memorável em A Fúria dos Reis.
Há vários elementos que dão origem a prólogos inesquecíveis. É nele que temos o primeiro cheiro do mundo secundário criado pelo autor. O autor não precisa de despejar os factos de criação nem a origem do universo. Se ele for esperto o suficiente, saberá conduzir-nos através da leitura e transmitir-nos o essencial que importa reter. Claro que ainda não compreendemos muita dessa informação, mas o equilíbrio é fundamental. Tem que ser original o suficiente mas não revelar excessiva informação. Muitos optam por inserir o famoso Tchekov’s Gun no prólogo – o elemento inconspícuo e aparentemente de pouca importância que se revela fundamental a meio ou fim do enredo.
Temos o primeiro cheirinho então do mundo criado. E quanto ao tom e estilo? Nessas primeiras páginas compreendemos imediatamente se estamos perante um Tolkien, um Abercrombie ou um Mervyn Peake eloquente e artístico. O estilo narrativo é normalmente uniforme ao longo do livro.
E temos os protagonistas. Baseando-me apenas na minha memória, tenho a impressão de que já li mais prólogos em que os protagonistas eram secundários e estavam ali apenas para mostrar algo que o autor quer muito que o leitor veja. Há também os prólogos clássicos em que um feiticeiro encontra uma personagem e leva-a para uma aventura inesquecível ou, mais frequentemente, o vilão/vilões fazem uma aparição e mostram-nos que o mundo está à beira do perigo e destruição. Às vezes os protagonistas no prólogo podem estar a falar do protagonista principal como o excelente prólogo em As Mentiras de Locke Lamora em que os ladrões de Camorr discutem a vida do pequeno Locke e o que o torna tão único.
Todos estes factores estabelecem o cenário mas deve existir um elemento vital no prólogo que desencadeie a curiosidade do leitor e o faça sentir-se envolvido a ponto de começar a construir hipóteses de enredo.
Um dos prólogos mais marcantes que já li é certamente aquele que abre a série A Roda do Tempo de Robert Jordan no primeiro livro, O Olho do Mundo. A série é composta por 14 livros, o seu autor já faleceu, li 11 livros e, independentemente da minha opinião geral sobre os livros, aquele prólogo conquistou-me incondicionalmente.
Não é um prólogo longo e descreve uma cena particular no passado em que o protagonista Lews Therin Thelamon, conhecido como o Dragão, procura pela sua mulher no meio de ruínas. Ele enlouqueceu e ainda não se apercebeu que as suas acções destruíram o mundo. Um segundo protagonista aparece em cena e confronta o Dragão. Através dos diálogos intensos e eloquentes entre ambos, um lado a mostrar-se cruel e vingativo enquanto o outro está alheado e confuso, obtemos informações importantes sobre o mundo criado e descobrimos que algo correu horrivelmente mal na guerra contra Shaitan, the Dark One, levando ao enlouquecimento dos homens.
Thelamon finalmente apercebe-se da verdade, de que é responsável pela morte da sua família e amigos. Incapaz de lidar com a dor e angústia, desaparece e surge de novo numa planície onde invoca toda a sua força/energia (mais tarde, nos livros, compreendemos melhor a natureza dessa magia) até ser consumido pela luz, dando origem a uma montanha. O segundo protagonista surge então e dá a entender que há uma luta milenar entre a Luz e Trevas e que o Dragão voltará a reencarnar e confrontar o seu antagonista na Última Batalha. A escrita de Robert Jordan tem os seus altos e baixos (mais baixos do que altos a partir do sétimo volume) mas nesse prólogo conseguiu nuns poucos diálogos pintar um fascinante mundo e guerra, envolver emocionalmente o leitor de tal modo é intenso o tormento de Thelamon e libertar o elemento vital que nos fará continuar a ler mais 1000 páginas: o Dragão irá reencarnar!
Também há um caso especial de prólogos em que dificilmente compreendemos o que se passa, mas há uma qualidade na escrita, descrições e diálogos que nos faz pensar que o autor sabe muito bem o que está a fazer mas teremos que ser pacientes, como no prólogo de Gardens of the Moon de Steven Erikson.
Tenho a certeza de que haverá muitos outros prólogos sensacionais que marcaram cada leitor. Convido-vos a partilhar os vossos favoritos.