A 9 de Setembro de 2008, a Fox exibia nos Estados Unidos da América o episódio piloto de Fringe. Começava com um terrível desastre de aviação, e, durante hora e meia, avançava por uma viagem alucinante entre a investigação policial auxiliada por técnicas científicas, as histórias de mistérios e aventuras, os segredos de um jogo de espiões e a promessa de uma conspiração de objectivos imprecisos, mas capacidades temíveis. Ficava-se agarrado à história para entender o que acontecera aos passageiros do avião e terminava-se com o enorme desejo de continuar e perceber os muitos meandros de uma realidade e mitologia que já se adivinhavam mais interessantes do que as da maioria das outras séries em oferta.
Este primeiro episódio, o único de duração mais prolongada, servia também de introdução às personagens centrais da série, com quem depressa se simpatizava: Olivia Dunham (Anna Torv), a agente do FBI auto-suficiente e determinada, que se encontra mais ligada aos estranhos eventos do que supunha ou gostaria; Walter Bishop (John Noble), o brilhante cientista encerrado numa instituição psiquiátrica que Olivia recruta para a ajudar nas investigações e que está relacionado com a origem dos acontecimentos; Peter Bishop (Joshua Jackson), o genial filho de Walter, habituado a ganhar a vida com trabalhos não totalmente lícitos e de quem Olivia precisa, para que dêem alta a Walter; Phillip Broyles (Lance Reddick), o agente especial do FBI que dirige a divisão Fringe; Astrid Farnsworth (Jasika Nicole), a jovem agente do FBI responsável por tomar conta de Walter e auxiliá-lo no laboratório; Nina Sharp (Blair Brown), a chefe operativa da Massive Dynamic, a companhia criada por William Bell (Leonard Nimoy), antigo parceiro de Walter, sempre mais falado do que visto, e a vaca Gene, uma presença incontornável do laboratório.
Iniciava-se assim a nova série de J. J. Abrams, Alex Kurtzman e Roberto Orci.
NO PRINCÍPIO
Nota-se em Fringe um respeito pelas séries emblemáticas de ficção científica que lhe são precedentes, e, de facto, muitas constam da longa lista de influências citadas pelos criadores. Ao desenvolverem o novo projecto, decidiram começar por identificar as obras que mais os marcaram na juventude. Da lista constavam os filmes iniciais de David Cronenberg, Altered States, de Ken Russell (onde entrava Blair Brown), os livros de Michael Crichton e Robin Cook, bem como as séries A Quinta Dimensão, Kolchak: The Night Stalker e Ficheiros Secretos. Esta última será a que mais frequentemente surge nas comparações, mas Abrams insiste que nunca quiseram refazer ou reinventar Ficheiros Secretos, essa foi apenas uma de muitas referências, todas elas de relevância quase óbvia. Apesar destas muitas influências, Fringe afirma-se original e inovador.
Orci admitiu ainda que estudaram as séries processuais como Law & Order ou CSI: Crime Sob Investigação, pela importância que, à época, assumiam dentro do mercado televisivo, e percebe-se como estas contribuíram para a estrutura de Fringe. No entanto, este modelo mais ou menos formular revelou-se um dos aspectos menos estimulantes da série e não pareceu protegê-la das quebras de audiência.
Depois de uma primeira temporada com valores de audiência razoáveis, estes têm vindo a decrescer. Chegou-se mesmo a temer um cancelamento a meio da terceira temporada, mas a série conseguiu aguentar e garantir uma quarta temporada. Kevin Reilly, presidente do departamento de entretenimento da Fox, declarou já que, dada a complexidade da série, não esperam uma melhoria nos valores de audiência e que ficarão satisfeitos se repetirem os números da última temporada.
Conseguir-se-á a renovação para a quinta temporada? É demasiado cedo para tentar uma resposta. Em todo o caso, em 2008, pouco antes de a série estrear, Abrams, Kurtzman e Orci garantiam ter um final para a história passível de utilização a qualquer momento, depois de treze episódios ou ao fim de sete anos.
AS TEMPORADAS
Como costuma ocorrer com as séries em que Abrams se envolve, Fringe sofreu alterações significativas, descolando para um enredo cada vez mais elaborado. Embora Abrams tenha garantido, em Novembro de 2010, que a série nunca se tornará tão difícil de compreender e seguir quanto A Vingadora ou Perdidos, sente-se uma necessidade progressiva de fidelização ou de, pelo menos, acompanhar os episódios com certa regularidade.
A primeira temporada vive de um equilíbrio inteligente entre a lógica de uma série processual e a de uma dedicada a intrigas, que roçam tanto a espionagem quanto a conspiração. Partindo de incidentes estranhos, alguns alicerçados em mitos, a equipa atarefa-se a seguir pistas e a entender mecanismos. Liderados por Olivia no terreno e Walter no laboratório, que, para desespero de Peter e Astrid, voga deliciosamente entre o matemático e o alucinado, o desamparo e o autoritarismo, encontram sempre uma explicação científica para os acontecimentos. A natureza periférica de eventos e ciência envolvidas testam, por vezes, os limites da verosimilhança, incentivando o debate. Ao mesmo tempo, o que descobrem conduz a uma progressão no panorama geral da história.
Este fio condutor da narrativa revela-se essencial para provocar curiosidade a longo prazo e viciar audiências, mas esteve excessivamente ausente da segunda temporada. Depois de um início interessante, a temporada centrou-se demasiado nos casos da semana, com Peter a tender para um papel tanto de cavaleiro voluntarioso quanto de donzela em perigo. Por outro lado, desenvolveu-se a relação conflituosa entre pai e filho, o que conduziu em parte à estimulante mudança introduzida nos últimos episódios.
A existência de um mundo paralelo, agora em interacção e conflito directo com o mundo original, confrontou as personagens com os seus duplos e motivações, conferindo também uma nova dinâmica à terceira temporada. Contudo, se se tornou indesejável perder um episódio, também se criaram linhas de evolução narrativa desnecessariamente próximas da lógica telenovelesca. Ainda assim, a série respira um renovado interesse e conserva-se gloriosamente diferente da restante programação televisiva.
E AGORA?
Fringe sempre sofreu de um incompreensível desinteresse por parte dos prémios televisivos. Os Emmy atribuíram-lhe nomeações apenas em 2009 e 2010, e só em categorias técnicas. Este ano, apesar dos louvores da crítica e do público, nem a série nem as interpretações de Anna Torv e John Noble conseguiram qualquer nomeação nos Emmy. Referindo-se à questão, o The Guardian defendia em Julho que, mesmo se ignorado, «Fringe permanece uma das séries mais cativantes na televisão norte-americana».
O último episódio da terceira temporada, inesperado e em certa medida arrojado, implica uma redefinição de toda a história, quase um recomeço. Poderá resolver fragilidades, enquanto conduz a patamares ainda mais estimulantes, melhorando assim uma série que se destacou como um entretenimento inteligente. Contudo, tem também o potencial para propagar incongruências excessivas e gerar mudanças narrativas desastrosas. Qual das hipóteses? Um pouco de ambas? Só se descobrirá na quarta temporada, que estreou nos EUA a 23 de Setembro, e já se encontra em exibição na RTP2, às quintas-feiras.
*O presente texto segue a ortografia pré-Acordo Ortográfico.
Artigo retirado da revista BANG! n.º 12, publicada em março de 2012.