Vivia-se o ano de 1982 quando a mestre da fantasia épica hoje conhecida como Robin Hobb publicou o seu primeiro

livro, intitulado Harpy’s Flight, a que se seguiram outros três com as mesmas personagens. O nome Megan Lindholm foi bem aceite, mas uma crítica positiva não basta para transformar um escritor em ícone. Foi nos anos 90 que Margaret enveredou por outro caminho, um caminho que a conduziria às parangonas da literatura fantástica. A autora dedicou-se à fantasia, garatujando uma narrativa em primeira pessoa sobre um jovem bastardo à deriva nas teias de uma corte repleta de intrigas, onde viria a conhecer uma outra personagem quase mística, quase andrógina, um enigma chamado Bobo. Um bobo que sonha com dragões de pedra. Assim nasceu o protótipo de um livro que batizou provisoriamente como Bastardo de Cavalaria.

Margaret optou por mudar de pseudónimo, para marcar um afastamento palpável ao estilo e forma da sua faceta anterior, e optou por um nome tão enigmático em género quanto o próprio Bobo, com uma sonoridade familiar para os fãs de fantasia e aventura: Robin Hobb. Robin como Robin Hood, Hobb como Hobbit. A partir daí nasceu uma trilogia fascinante, um épico de fantasia que fugia aos habituais clichés das autoras de então, escrito por uma mulher dotada de uma sensibilidade única para descrever relações humanas, para desenvolver ligações de afeto entre um menino e um cão, entre um adolescente e um lobo, entre um pai e um filho de criação. A trilogia ficou conhecida como A Saga do Assassino.
Os cheiros, os tons de voz, os sentimentos e os silêncios foram retratados com uma simplicidade e elegância tremendas, que se tornaram imagem de marca da autora. E uma escrita do outro mundo. Sábia e experiente, carinhosa e quente. Como uma avózinha de desenho animado a contar a história de João e o Pé de Feijão, a fazer-nos sentir como um bebé a ser embalado aos seus braços, sem conseguir adormecer até conhecer o fim ao conto. É essa a verdadeira porta de entrada no mundo de FitzCavalaria Visionário. O dom de Robin Hobb para contar histórias.
A Saga do Assassino resultou comigo como um “Primeiro Estranha-se e Depois Entranha-se”. Os nomes Cavalaria, Castro, Paciência, Veracidade, Majestoso, Sagaz, Breu pareciam-me nomes de desenho animado infantil, nomes de características humanas que não pareciam adequar-se a um livro de fantasia épica. Como estava enganado!
Também a ação do livro me parecia igual a tantas outras. A verdade é que tinha acabado de ler As Crónicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin, e queria ler algo igualmente sádico, sanguinário, cruel. O mundo que Robin Hobb me apresentou era em muitos aspectos semelhante ao de Martin, mas mais doce, mais terno, mais sentimental. Demorei a apaixonar-me pela Saga do Assassino, confesso. Não era aquilo que eu queria naquele momento. Todos temos fases de leitura em que sentimos necessidade mais disto ou daquilo, e eu não sabia, mas naquele momento precisava de algo muito mais rápido, facilmente comestível.
A maturidade literária de Robin Hobb recompensou-me a teimosia. O mundo de Fitz é tão ou mais cruel do que o de Jon Snow, Daenerys e companhia. Mas de uma forma diferente. Profundo. Emocional. Percorremos a vida daquele rapaz na primeira pessoa, sentimos os seus problemas, desilusões e paixões. E não percebemos muito bem as tramas que se vão enrolando à sua volta. Acompanhamos a ingenuidade de uma personagem, tanto em criança como em adulto, e a quantidade de situações em que ele se envolve e nas quais se atrapalha. Quando resolve uma questão, deixa outra por resolver, e a incapacidade de estar em dois sítios em simultâneo resulta numa sequência infinita de problemas.
As relações do protagonista também são descritas de uma forma profunda, absorvente e dolorosamente palpável. A credibilidade das situações apresentadas é um dos pontos fortes de Robin Hobb, e por mais dragões, forjados, navios vivos ou magia que haja naquele mundo, O Reino dos Antigos é uma macrossérie sobre pessoas de carne e osso, sobre os seus problemas do quotidiano, sobre relações humanas e sobre mágoas. Sobre a dor do passado e a esperança no futuro.
Robin Hobb escreveu cinco trilogias passadas no Reino dos Antigos. A segunda e a quarta não são protagonizadas por Fitz e, por isso, não foram publicadas em Portugal. Mas assim que comecei a terceira trilogia, o Regresso do Assassino, a segunda saga de FitzCavalaria, Hobb tornou-se uma das minhas escritoras preferidas. Foi quase a mesma sensação com que, aos 11, 12 anos, vi o Son Goku a tornar-se adulto no Dragon Ball Z. As personagens da primeira saga cresceram, tiveram filhos, e aquela mesmice da fantasia épica tradicional colapsou. O mundo aparentemente “mais do mesmo” da Saga do Assassino sofreu um upgrade e expandiu-se.
Situações que não tínhamos percebido da primeira saga tornaram-se claras. Ao mesmo tempo, Robin Hobb tem a coragem de assassinar personagens importantes na trama e apresentar-nos caracterizações incríveis como as de Obtuso, Respeitador, Eliânia ou a Mulher Pálida. Esta segunda saga de cinco livros, a terceira trilogia original, começa com um novo plot envolvendo a magia de Manha, que envolve a comunicação entre um humano e um parceiro animal, mas desenvolve-se numa trama muito mais complexa que resulta no regresso dos dragões ao mundo, bem como no desvendar de segredos relacionados com o Profeta Branco.
A terceira saga, O Assassino e o Bobo, a quinta trilogia original, é uma das séries de ficção fantástica que mais me empolgou até hoje. Aqui conhecemos uma menina chamada Abelha desde a sua génese bizarra na barriga de uma mãe demasiado velha para o ser. Vemos um muito aguardado reencontro entre Fitz e o Bobo, vemos a trama a desenrolar-se mais e mais e as pontas a unirem-se. Personagens da primeira trilogia são agora relegados para papéis secundários, quando os seus filhos e netos ganham um papel preponderante numa corrida contra o tempo. A corrida para resgatar Abelha das mãos sujas dos terríveis Servos, profetas brancos criados “em cativeiro” para preverem os destinos do mundo e influenciarem o mesmo.
Fitz e o Bobo precisam salvar a rapariga, mas só o conseguirão com a ajuda de personagens da segunda e quarta trilogias, as que não foram publicadas em Portugal, que se juntam à trama para o final estrondoso de uma saga emocionante a todos os níveis, que em nenhum momento perde o toque e a sensibilidade de uma senhora madura e cativante a todos os níveis. Se um pai em fúria é o que é, imaginem dois, a bordo de um navio que se transforma em dragão. Porque nesta série poderosa, bobos sonham com dragões de pedra. E sabem fazer-nos sonhar. Robin Hobb faz-nos sonhar.
ROBIN HOBB
Nasceu na cidade de Berkeley, na Califórnia de 1952, como Margaret Astrid Lindholm Ogden, mas foi com os pseudónimos Megan Lindholm e Robin Hobb que ganhou notoriedade. Margaret começou por escrever para publicações infantis, a que se seguiu um percurso no mundo da fantasia contemporânea, entre 83 e 92. Mas a sua obra-prima nasceu sob o pseudónimo Robin Hobb, com a sua incursão na fantasia épica e a criação das personagens Fitz e o Bobo. Vive atualmente em Tacoma, no Washington e é uma das mais famosas autoras de literatura fantástica mundial. Venceu o Gemmell Legend Award de 2018 com o livro Assassin’s Fate, publicado pela Saída de Emergência como A Viagem do Assassino e O Destino do Assassino.