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CINCO AUTORES PARTILHAM AS SUAS EXPERIÊNCIAS DE PUBLICAÇÃO DE UM LIVRO

Texto originalmente publicado na Bang! 8, em Outubro de 2010. Entrevistas conduzidas e editadas por Safaa Dib

 
 
 

Por razões possivelmente demasiado complexas para expor neste texto, podemos afirmar com razoável certeza que nunca se quis publicar tanto como hoje. Os mecanismos de publicação hoje disponíveis ao público são mais numerosos do que há uma década. O mercado de impressão digital abriu portas antes inacessíveis, possibilitando a impressão de livros em pequenas tiragens, ou a pedido. Hoje há empresas que oferecem serviços de edição a um autor que deseje ver o seu trabalho mais polido e profissional. O trabalho das editoras tradicionais é cada vez mais questionado, tanto relativamente aos seus critérios de publicação como à sua capacidade de divulgação e vendas de um autor desconhecido. Discussões nas redes virtuais e sociais proliferam sobre a honestidade ou falta dela de algumas empresas que se autodenominam de editoras e que decidiram vender livros não ao público, mas ao próprio autor, descartando-se dos seus deveres editoriais.

Literatura Fantástica

Se incidirmos o foco sobre o género da literatura fantástica, descobrimos que a vontade de publicar não é menor, pelo contrário. O cinema e televisão catapultaram para a frente do palco um género que já existia há muito tempo mas que estava habituado a existir nas margens. Toda uma nova (e jovem) geração de leitores em Portugal, muito graças ao cinema, começou a ansiar por livros cheios de elementos de fantasia, de sobrenatural ou onde se revelasse todo um novo mundo criado de raiz.

E as editoras procuraram explorar mais esse filão de fantasia, relegando a ficção científica para segundo plano (ou mesmo um plano inexistente). Todavia, a ficção científica já tivera a sorte em Portugal de ter sido assiduamente publicada por editoras como a Livros do Brasil ou Europa-América ou a Caminho. Embora esses livros pertençam a uma outra geração, e mesmo estando hoje disponíveis em alfarrabistas ou feiras do livro, a verdade é que os jovens leitores de hoje estão inteiramente desligados desse trabalho editorial do passado, tanto em autores portugueses como estrangeiros, e têm apenas conhecimento do que se tem publicado nos últimos cinco ou dez anos (haverá sempre excepções).

Às vezes esse desconhecimento, que não se limita apenas a leitores mas também a aspirantes a escritores, conduz a um processo a que podemos chamar de “reinvenção da roda”. Não ler o suficiente ou não investigar o suficiente o género em que se escreve faz com que um autor escreva algo que considera original aos seus olhos, mas na verdade é matéria que já foi experimentada, reinventada e dissecada muitas vezes por autores mais experientes.

 

Processo de Publicação

Falando especificamente do processo de publicação, pelo qual a curiosidade é muita, é do conhecimento geral que as editoras recebem muitas submissões, em todos os géneros literários. Muitos dos autores desconhecem qual o melhor método de submeter um manuscrito à atenção de um editor, mas esse é um método que variará de editora para editora e não há uma fórmula garantida de sucesso. Não deixa de haver, todavia, abordagens mais correctas do que outras. Para muitos é um sonho que tentam concretizar, e parece cruel recusar conceder esse sonho, mas a escrita ainda é um ofício para ser levado a sério e nem todos têm o talento ou a capacidade de alcançar esse patamar de reconhecimento. Da mesma forma que nem todos têm o talento para pintar ou tocar música.

Não podemos afirmar que o trabalho das editoras é perfeito, mas ainda são a entidade que desempenha a tarefa de escolher um autor no qual valha a pena investir dinheiro e recursos. E porque entendemos que não há conhecimento suficiente dos meandros de publicação, decidimos reunir na Távola Redonda desta edição da Bang! cinco vozes autorais que foram publicadas por editoras tradicionais e que partilham connosco as suas experiências de publicação.

São eles Inês Botelho, David Soares, Telmo Marçal, Ana Vicente Ferreira e Bruno Martins Soares (que assina com o pseudónimo Martin S. Braun). Cada um com um percurso diferente na publicação com o qual quaisquer escritores e aspirantes a escritores poderão ou não identificar-se.

 

Destruição de Mitos

Começamos pelos vários mitos que dominam o mundo da publicação. Quando David Soares, autor de vários romances onde está presente uma forte veia histórica e fantástica, andava no liceu, os professores diziam-lhe “para pagar parte da edição se fosse preciso”, mas quando chegou a hora de enviar manuscritos para as editoras “a única coisa que encontrei foi o medo de publicarem um desconhecido, mas nunca ninguém me pediu dinheiro”. Quando pergunto sobre outro mito que tenha constatado que não é verdade, Ana Vicente Ferreira, autora de Sangue de Dragão (Ulisseia) refere “a ideia de que é preciso ter contactos nas editoras para poder ser-se publicado”. Na verdade, o percurso de publicação da Ana desmente por completo essa ideia, pois a Internet foi instrumental para a sua publicação, e conta que “um consultor editorial descobriu o meu site na net e me convidou a submeter algum material à Ulisseia”, reforçando a ideia de que os autores são agora confrontados com uma maior necessidade de trabalhar a sua própria divulgação nas redes sociais, na criação de blogues, fóruns ou sites dedicados às suas obras. Numa abordagem mais clássica, Inês Botelho, autora de uma trilogia de fantasia pela Gailivro e agora publicada pela Porto Editora, não conhecia nada do meio editorial quando publicou o seu primeiro livro, pelo que “consultei a lista telefónica, seleccionei algumas editoras e fui telefonando a saber como devia proceder, tentando sempre falar pessoalmente com o editor. Entre um contacto e o seguinte esperava sempre uns meses, à espera de uma resposta. Claro que foi uma atitude ingénua e inocente, que podia ter resultado em nada”.

 

Psssttt!!!

Obter a atenção dos editores pode ser o ponto mais delicado do processo de publicação. Entre centenas de submissões de manuscritos, como sobressair pela positiva? Haverá algum método eficaz? Bruno Martins Soares, autor da série Alex 9 para jovens adultos (Saída de Emergência), considera que o melhor método “é ser-se muito exigente com o trabalho que se apresenta. Levei quinze anos a ter um manuscrito que achasse bom de apresentar e, depois de ter sido rejeitado a primeira vez, ouvi e segui os bons conselhos e estive cinco ou seis anos a trabalhar antes de voltar a submeter outro manuscrito.” Telmo Marçal, autor da colectânea As Atribulações de Jacques Bonhome (Gailivro), recomenda o envolvimento “no maior número de experiências em tudo o que se vai fazendo em forma de fanzine, ezine, blogue, revista”, que eventualmente chamarão a atenção de um editor. “Pelo menos foi assim que me aconteceu”. E quando tudo isto falhar, nas palavras de David, os aspirantes poderão sempre “escrever, enviar o manuscrito às editoras e esperar que elas digam alguma coisa. O meu percurso foi feito assim, por isso não conheço outra realidade”.

 

Manuscritos

Mas será assim tão fácil enviar manuscritos e obter resposta? Nenhum destes autores identificou uma política comum às editoras nesta matéria. Das tentativas de publicação de Sangue de Dragão, Ana ficou com a impressão de que “a maior parte das editoras portuguesas estão muito mal estruturadas em termos de recepção de originais. A maior parte das que tem sites não tem qualquer informação a esse respeito disponível e os tempos de resposta variam imenso, desde um mês a ano e meio, no meu caso”.

No entanto, deve haver alguém atento porque bons manuscritos não deixam de chegar ao mercado. É importante que se compreenda que qualquer editor digno desse nome irá fazer um investimento num novo autor que tanto pode resultar em benefício ou prejuízo financeiro. Por isso, as escolhas para publicação têm que ser cuidadosamente tomadas, tendo em consideração critérios que podem ser puramente comerciais. Mas para que essa escolha possa ser feita, é importante para um autor ganhar a confiança de um editor. Nesse sentido, Inês considera importante “a coerência do projecto e ser capaz de o expor, demonstrar ao editor que a obra tem alicerces, estrutura, razões, que não se escreveu só por escrever, que há ideias e que elas estão organizadas de acordo com um certo objectivo”.

 

Editoras e Edição

Se um editor tem que confiar num autor, a relação de confiança também se processa no inverso. Normalmente, um editor, após aceitar um manuscrito para publicação, poderá propor-lhe alterações para tornar o texto mais forte e apto. Pode ser uma sugestão sobre o ritmo do enredo, a resolução de alguns conflitos, ou pode mesmo apontar a falta de clareza de algumas passagens. É um trabalho em que o autor tem que se sujeitar a que lhe apontem falhas, se elas existirem. O autor e editor “têm de estar ambos a trabalhar para o mesmo objectivo e o mesmo livro”, diz Inês Botelho, “em termos pessoais, não sei se ao início tinha maturidade suficiente para este tipo de diálogo. Sempre tive uma política de isto é um trabalho final e ninguém lhe toca. Demorei alguns anos a mudar para isto é um trabalho final e agora vamos lá falar sobre ele e descobrir onde não demonstro bem o que queria transmitir”.

Bruno Martins Soares partilha a mesma perspectiva. “Acho que é fácil aceitar-se sugestões quando sentimos que o editor está em sintonia connosco e quer o melhor para o livro”. David Soares diz que não “tem nada contra a tarefa de edição, mas também acho que há autores que precisam mais de ser editados do que outros”. Mas nem todos os editores escolhem exercer essa tarefa de edição. Ana Vicente Ferreira “teria gostado de discutir em maior pormenor o texto com um editor, especialmente tratando-se de um primeiro livro”.

Quando pergunto se existe algum aspecto do processo de publicação que gostassem de poder influenciar, o Bruno sente mais vontade de “dominar melhor o plano de vendas e divulgação. Sinto que no mercado português é uma área crítica”. Inês sente que a parte gráfica é a que controla menos, “claro que dou uma opinião, mas sei que nem sempre é ouvida ou considerada. Em geral, chega-se a uma situação de compromisso”. David opta por se afastar do processo de manufactura do livro, preferindo exercer um papel mais activo na promoção do livro.

 

Crítica Especializada

A recepção crítica é um passo importante após a publicação e pode servir de medida do bom trabalho de divulgação do autor e/ou editora. Com o espaço em publicações de imprensa cada vez mais reduzido perante o número em crescimento de livros lançados, os blogues tornaram-se locais importantes de divulgação. O entusiasmo por livros do fantástico floresce principalmente neste meio. Porém, uma crítica bem informada e conhecedora das raízes das obras na área é muito reduzida. Sobre a crítica especializada que tem lido, Inês desabafa “parece-me que às vezes é algo tendenciosa, mais predisposta para apreciar determinados subgéneros. Além disso, em certos casos, incorre na crítica destrutiva e desagradável que pouco ajuda o leitor e quase insulta o autor.” E os jornalistas não terão responsabilidades também na matéria? David sintetiza o fundamental nestas linhas: “o que existe são jornalistas que escrevem opiniões, seja sobre livros, seja sobre outra coisa qualquer. Há jornalistas bons e jornalistas maus. Os bons sabem pensar sobre as obras lidas e relacioná-las com mais referências para compor opiniões fundamentadas e interessantes. Os jornalistas maus dizem, como eu já ouvi dizer, que «agora fala-se muito no Fantástico, por causa dos filmes do Shrek.»

 

Há alternativas?

E se os nossos autores não tivessem conseguido publicar os seus livros? Teriam recorrido a outras alternativas disponíveis agora no mercado? Pergunto-lhes se as edições de autor (financiadas pelo próprio autor, mas não por uma vanity-press) são uma boa opção para principiantes. Telmo Marçal diz que sim, “o que é que um autor tem a perder?”, Ana afirma que “é uma situação que tem que ser bem pensada, sobretudo se o autor não tem contactos que lhe permitam colocar o livro no mercado.” David desaconselha porque o “mercado de distribuição é hostil a projectos dessa natureza, mas é claro que pode ser uma edição com dignidade, se for bem feita, com rigor”. Bruno e Inês partilham opiniões negativas sobre as edições de autor. Para o Bruno “permite alimentar o síndrome triste e pouco produtivo de tenho de ser eu porque os outros não percebem.” Inês considera mesmo que não lhe parece suficientemente eficaz e “é um investimento muitas vezes perdido, não só economicamente mas em termos de visibilidade e divulgação”.

E se recorressem a editoras em que são os autores a assumir os custos de publicação? Aceitariam os nossos autores essa possibilidade? A julgar pelas opiniões fortes que manifestam, nunca. Do ponto de vista da Ana, “é um mau negócio: o autor acaba por pagar a maior parte dos custos de edição e por fazer a maior parte do trabalho de divulgação e colocação no mercado da sua obra e a editora é que fica com a parte de leão dos lucros”. David considera que “é um logro que não dignifica o livro ou o ofício da escrita. Quem aceita ser publicado por uma editora dessas não é um autor, é só alguém que tem o sonho de querer ver um livro publicado”. O Bruno alerta que “os autores não podem permitir que as editoras atirem com os custos para cima deles. Se as editoras não fazem bem o negócio, não são as indicadas para editar um bom livro”. Inês admite que essas editoras parecem-lhe “uma forma de tirar proveito de ambições e sonhos, de os explorar economicamente. Desvinculam-se da grande maioria dos deveres de uma editora, dando ao autor pouco mais a possibilidade de dizer que se publicou um livro.”

 

É possível viver da escrita em Portugal?

Será assim tão difícil de acreditar para muitos que um autor por norma não tem que pagar para ser publicado e que ainda recebe pagamento pelo seu trabalho? E eis que surge outra questão. É possível viver da escrita em Portugal? É inegável que muitos tentam essa opção, mas os autores frisam que implica manter um elevado nível de produtividade e desenvolver a escrita não só na ficção, mas em todas as áreas.

Estes são escritores que escrevem ou escreveram um tipo de ficção que durante muito tempo foi considerado marginal, a literatura fantástica, mas é a fantasia que registou o maior boom de novos autores em anos recentes. Termino perguntando se a literatura fantástica está a evoluir positivamente em Portugal. Todos manifestam opiniões favoráveis. Telmo afirma que “está a evoluir, sem dúvida. Se forçarmos um bocado e dissermos que o Ricardo Pinto é português então até podemos dizer que atingimos a maturidade.” Bruno considera que estamos num caminho positivo, ressalva no entanto que “não conheço o suficiente para saber se há muita qualidade ou não. Apenas o suficiente para dizer que ainda não é uma literatura madura”. Ana afirma que “ainda vai demorar algum tempo até que a fantasia em português tenha voz própria e referências baseadas na nossa identidade cultural”. David remata que “se não evoluímos mais até aqui é porque não temos condições naturais para isso. Também acho que as coisas não podem ser forçadas a existir por mais que gostássemos que elas existissem, por isso vamos esperar para ver o que é que acontece.” Mas será que já saímos da infância e entrámos na adolescência? Inês responde “Podemos voltar a esta questão daqui a uns anos?”

 

Martin S. Braun (pseudónimo de Bruno Martins Soares) nasceu em Lisboa em 1971, e começou na ficção com a escrita de contos. Em 2009, iniciou a sua trilogia de ficção científica e fantasia para jovens adultos, “Alex 9 – A Guardiã da Espada” (Saída de Emergência) da qual recentemente lançou o segundo volume, “A Coroa dos Deuses”. Em 2012 publicou “A Saga de Alex 9” (SdE).

 

 

Ana Vicente Ferreira nasceu em Torres Vedras em 1976. Estudou na Faculdade de Letras e já trabalhou como professora de Português e Inglês, tradutora e livreira. O seu primeiro romance, “Sangue de Dragão” foi publicado em Fevereiro de 2009 pela Ulisseia.

 

 

Inês Botelho nasceu em Vila Nova de Gaia em 1986. Licenciada em Biologia, iniciou em 2009 um Mestrado em Estudo Anglo-Americanos. É autora da trilogia de fantástico “O Ceptro de Aerzis” pela Gailivro, composta por “A Filha dos Mundos” (2003), “A Senhora da Noite e das Brumas” (2004) e “A Rainha das Terras da Luz” (2005). Publicou ainda os romances “Prelúdio” (2007) e “O passado que seremos” (2010), este pela Porto Editora.

 

David Soares iniciou a sua carreira na banda-desenhada, e é o autor dos romances “A Conspiração dos Antepassados”, “Lisboa Triunfante”, “O Evangelho do Enforcado” e “Batalha”, tendo participado também em diversas antologias literárias. Tem desenvolvido trabalho como tradutor, tendo assegurado a tradução de autores como Philip K. Dick, Jack Dann e Alan Moore.

 

Telmo Marçal tem colaborado regularmente com as mais variadas revistas, fanzines e antologias literárias do género fantástico. Em 2009, publicou pela Gailivro a colectânea de contos de ficção científica “As Atribulações de Jacques Bonhomme”.

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