Momentos Essenciais do Cinema de Ficção Científica
Beneath the Planet of the Apes (1969)
Beneath the Planet of the Apes (1969)
Ted Post
Geralmente pouco apreciado pela crítica e pelos incontáveis admiradores do filme seminal de que constitui a primeira de uma série de sequelas, prequelas e reinvenções (1969-2014), BENEATH THE PLANET OF THE APES foi desde logo condicionado pela recusa de Charlton Heston em retomar o papel de Taylor. Avesso a ver diluir o impacto devastador do primeiro filme naquilo que não conseguia antever senão como uma série de aventuras episódicas, Heston aceitou retomar o papel na condição de que a sua personagem fosse morta logo no início do filme. Taylor, o astronauta terrestre que, vítima de uma anomalia espácio-temporal se vê prisioneiro de uma Terra futura, devastada pela guerra nuclear e governada por macacos inteligentes, viria efectivamente a morrer nesse filme, mas apenas no final, um final apoteótico e, quiçá, o mais negro e desolador da História do Cinema. Um final que, se só por si seria brutalmente implacável, vai buscar um impacto acrescido à ironia que é saboreada por todos aqueles que se recordam do final de THE PLANET OF THE APES (1967).
A escolha inspirada de Boule, autor da novela que despoletou o fenómeno, de apresentar uma evolução invertida de Homo Sapiens para Pan Sapiens na sequência de uma guerra nuclear de aniquilação, como forma de comentar o comportamento humano, é enriquecida pela introdução no argumento de Paul Dehn, de uma outra espécie de sobreviventes da Bomba: uma raça de mutantes telepáticos que, na sua adoração pela Bomba – adoração literal, num templo subterrâneo, por entre as ruínas de Nova Iorque, como um deus tecnológico – servem de perfeito contraponto ao atavismo religioso e anti-científico dos sectores dominantes da sociedade símia (os gorilas chefiados por Ursos [James Gregory] e os orangotangos presididos por Zaius [Maurice Evans]). Se o comentário social nesta segunda entrega é atabalhoado e simplista (e, após o primeiro filme, redundante), a utilização recorrente de iconografia religiosa sublinha de forma brilhante o subtexto do filme.
Estruturado, por via das reticências de Heston, como uma busca por Taylor, misteriosamente desaparecido em pleno ar no coração da Zona Proibida, o filme acaba por ter no seu âmago uma cruzada religiosa por parte de Ursus, em busca de lebensraum no deserto atómico, que o Lawgiver da sociedade símia decretou tabú. É, assim, uma guerra religiosa que serve de pano de fundo à transformação última de Taylor, o cínico humano que, em companhia de Nova (Linda Harrison), pensava deixar de lado o seu cinismo e, com ela, desempenhar o papel de Adão e Eva de uma nova raça humana no coração da Zona Proibida. A intervenção dos Mutantes e a incursão de Ursus, ambos autoproclamados eleitos de Deus, porém, não trazem consigo mais do que a morte prematura dessa nova Eva e, com ela, o fim de qualquer ilusão que Taylor pudesse ter quanto à capacidade de redenção do Humano (seja este homo, ou pan).
Quando chegamos, porém, ao sanguinolento conflito final, nenhum dos filmes deixou qualquer dúvida na mente do espectador quanto à intrínseca falsidade das duas religiões em confronto. Órfãos de progenitores divinos, desprovidos de qualquer orientação sagrada, homens e macacos confundem-se nos seus anseios mais básicos. Não importa em que sentido aponta a seta da evolução, a natureza de ambos é a mesma. Se, caído de joelhos perante os destroços da civilização Taylor gritou “We finally dit it!”, aqui é ele próprio, no mais desesperado dos actos, que faz despoletar a bomba Alfa-Ómega num holocausto purificador.
A sua mão ensanguentada pousa sobre o detonador e a imagem dissolve-se num nada indistinto onde apenas uma improvável voz off se faz ouvir, sentenciando, “In one of the countless billions of galaxies in the universe lies a medium-size star. And one of its satellites, a green and insignificant planet, is now dead.” Apesar de toda a grandeza de que se autoinvestiram, homens e macacos não passam de habitantes de um planeta insignificante, orbitando uma estrela mediana, na orla de uma de milhares de milhões de galáxias. A voz que se ouve não é a voz de Deus, muito pelo contrário. É a voz de H.G.Wells, corrigindo a narração daquele outro clássico da FC inspirado na sua obra, THE WAR OF THE WORLDS (1953). Aqui, não há qualquer ínfima criatura que Deus tenha desenhado para salvar o Mundo. Aqui não há redenção.
(EUA, 90mns, COR) Realização: Ted Post; Produtor: Arthur P. Jacobs; Argumento:Paul Dehn; Baseado no livro: “La Planéte des Singes” (1963) de Pierre Boule; Fotografia: Milton Krasner; Música: Leonard Rosenman; Efeitos Especiais: L.B. Abbott e Art Cruikshank; Efeitos Prostéticos: John Chambers; Intérpretes: Charlton Heston, James Franciscus, Kim Hunter, Maurice Evans, Paul Richards, Victor Burns, James Gregory, Jeff Corey, Natalie Trundy, e Linda Harrison.