Les Revenants: o regresso dos mortos
Les Revenants, a série francesa reminiscente de Twin Peaks e que surpreendeu os espectadores com uma história de uma cidade alpina que assiste ao regresso dos mortos.
Sabemos tudo sobre o The Walking Dead e como se tornou a série televisiva norte-americana mais vista e seguida por milhões de espectadores. A BD, os jogos e a série televisiva recuperam alguns dos arquétipos da cultura de zombies e questionam a vida e morte e as escolhas difíceis que fazemos sobre família, amor e sobrevivência.
O sucesso actual dos zombies na cultura popular é de facto inquestionável, mas raramente vemos desvios dos padrões habituais de enredo em que uma praga ou vírus mundial dizimou a maioria da população e pejou a Terra de criaturas em decomposição e que oferecem apenas morte. Não há nada de complexo, romântico ou particularmente intelectual na figura de zombie. É uma criatura que nos lembra constantemente da nossa própria vulnerabilidade. Filmes como World War Z, Open Grave ou o argentino O Deserto não fogem desse padrão narrativo.
Caberia aos franceses produzir uma série televisiva que alterasse as regras do jogo e introduzisse uma muito necessitada lufada de ar fresco na história televisiva de zombies.
Les Revenants (The Returned é o título escolhido pelos britânicos) apanhou os telespectadores de surpresa. Criada por Fabrice Gobert e inicialmente exibida em França no Canal+ no final de 2012, a série é baseada num filme homónimo francês de 2004 e tornou-se uma sensação após a sua exibição no Reino Unido, onde se tornou a série estrangeira mais vista dos últimos anos.
A razão para tanto sucesso? Uma história que não pretende oferecer respostas, apenas reflexões fascinantes ao longo de oito episódios, e largamente centrada num elenco de personagens com os seus próprios segredos e tormentos.
Numa pequena cidade francesa alpina à sombra de uma barragem, assoma a tragédia quando um autocarro de escola cheio de crianças despenha num precipício. O condutor perde o controlo da viatura ao avistar uma criança estranha no meio da estrada. Anos depois, assistimos a uma vila ainda em luto e a tentar prosseguir as suas vidas. Alguns lidam melhor do que outros com a perda.
Até ao momento em que uma das adolescentes que morrera no acidente sai das montanhas e regressa para a sua casa, sem qualquer memória da sua morte. A mãe mal consegue acreditar no que os seus olhos vêem e está dividida entre a felicidade de ver de novo a filha e o medo profundo. Noutras casas assistimos a reacções semelhantes. Alguns dos vivos não conseguem compreender nem lidar com estas situações.
Após o choque inicial, surgem as interrogações: como irão reintegrar os mortos na sociedade? E conseguirão aceitar as consequências dessa reintegração, mesmo desconhecendo os motivos deste regresso?
Cada episódio recebe o nome de uma das personagens. O passado de cada uma delas é lentamente revelado, mostrando ainda fortes ligações emocionais aos familiares. Simon ainda está obcecado com a sua noiva Adèle. Camille ainda está apaixonada pelo amigo da irmã e há uma rivalidade entre ambas. Victor é uma criança que procura apenas uma mãe. Porque voltaram à vida estes mortos em particular? Não sabemos. Mas as ligações entre elas vai sendo revelada de forma insuspeita.
Outras personagens revelam um propósito obscuro que a série raramente se dá ao trabalho de explicar aos espectadores. Cabe a cada um tirar as suas conclusões perante as estranhas cenas de forte carga sobrenatural que decorrem em cada episódio.
As comparações constantes a Twin Peaks, a série de culto de David Lynch, têm a sua razão de ser. Ambas as primeiras temporadas têm oito episódios e decorrem em vilas ficcionais onde gradualmente se revela algo negro e perturbante. A forte atmosfera de Les Revenants é reminiscente de Twin Peaks, mas não só. À medida que a história progride, vemos laivos de Stephen King e até John Carpenter (em especial, o inesquecível The Fog). Tudo contribui para a surrealidade da série, em especial a banda-sonora da autoria da banda escocesa Mogwai. A banda conta que os produtores da série encomendaram-lhes a banda-sonora ainda antes do início das filmagens para que se narrasse a história de acordo com o ambiente musical. Não há nada como as fantásticas paisagens alpinas francesas ao som de Mogwai enquanto os mortos, estranhamente vivos, revelam as suas mágoas.
Serão fantasmas? serão zombies? Serão criaturas maléficas ou vítimas inocentes? Sabemos apenas que estão constantemente esfomeadas e carentes da atenção e do calor dos humanos. Na verdade, se o espectador espera obter respostas no final intrigante do oitavo episódio, desengane-se. Apenas obterá mais questões. Mas está longe de ser uma série à deriva ou apenas poética ou filosófica. Há algo negro subjacente às águas da barragem que despertou e certamente há um grande desígnio que desconhecemos ainda. Dará a segunda temporada todas as respostas? Não é garantido, mas certamente providencia algumas das melhores cenas dramáticas na televisão.
A fama da série, já disponível em DVD, levou a editora TOR a anunciar a aquisição dos direitos para duas novelizações baseadas na série televisiva que serão escritas pelo autor Seth Patrick. E poucos ficarão surpreendidos por saber que os EUA já planeiam o remake americano após o sucesso internacional da série.
O que é certo é que de França veio não o cheiro bafiento e bolorento de zombies, mas uma abordagem fresca, inovadora e com uma produção excepcional. Os mortos nunca foram tão bem-vindos.