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Sonar Literário #1

A ansiedade é um inimigo difícil de ser dominado, algo que todo autor vivencia em diferentes etapas do processo de criação.

Literatura: território da paciência

A ansiedade é um inimigo difícil de ser dominado, algo que todo autor vivencia em diferentes etapas do processo de criação, às vezes em todas elas, sem intervalos comerciais. Há a ansiedade de se começar um livro e dar de uma vez o pontapé inicial naquela história que vinha faz tempo ganhando forma dentro da sua cabeça. Há aquela causada pela página em branco que insiste em continuar em branco, mesmo que a mente fervilhe de ideias quando estamos na fila do caixa eletrônico, em um banho quente ou sentados na cafeteria, esperando por um iced cappuccino. Tem também a ansiedade de se terminar logo uma cena, de vez em quando acompanhada por uma falta de comunicação eficiente entre a ponta dos dedos e as terminações neuronais – a receita mais fácil para a loucura de uma mente criativa.

São tantas e tantas que um psicanalista poderia se especializar nas ansiedades de um autor e escrever vários livros sobre isso.

Para mim, entretanto, há uma que se destaca nesse universo de unhas roídas e pode trazer resultados desastrosos: a ansiedade de ser publicado e lido de uma vez.

Há um pouco aí do complexo de grande gênio a ser descoberto. Para o novo autor e, sejamos sinceros, para alguns mais experientes, fica a sensação de que tudo que um livro precisa para acontecer é ser publicado. E que depois da publicação, tapetes vermelhos se estenderão aos nossos pés a cada esquina. Uma tremenda bobagem. Concentrar todas as forças na publicação do livro é passar por cima de partes importantes deste processo contínuo de aprendizado que é construir uma carreira na literatura.

Tem também a ilusão que chamo de “Um sonho de liberdade.” Insatisfeitos com a vida que levamos, com um emprego que não nos realiza, com uma faculdade do tipo “não era bem isso que eu queria”, acabamos depositando todas as nossas esperanças na publicação de um romance, como se isso de fato pudesse abrir algemas e nos libertar de uma situação de insatisfação certamente com origens mais complicadas.

De uns tempos para cá, tenho visto também a literatura ser vitimada pelo complexo de pseudocelebridade. A pessoa quer lançar um livro para ser famosa e ponto final. Alec Baldwin uma vez contou uma história sobre uma atriz que adorava todos os aspectos de sua profissão, mas achava a parte de atuar muito cansativa. Vamos logo para a festinha pós-lançamento, pode ser? Nada contra a fama, mas tente mantê-la como consequência do seu trabalho e não como motivação.

Essas situações a princípio tão diferentes têm todas um ponto em comum: o atropelo do livro. Mais importante do que o autor, o contrato, a noite de lançamento, mais relevante que os flashes dos jornalistas (no flash, please!), é a história contada. Ela sim merece toda a nossa atenção e nosso capricho. Veja você o livro como um produto comercial, como produção 100% artística ou como uma mistura dos dois, devemos nos empenhar em entregar um trabalho bem feito. Não um trabalho perfeito, pois não acho que perfeição exista de fato (isso é papo para outro dia), mas um que nos permita dizer: eu tenho orgulho disso e fiz aqui o meu melhor.

Sabe aquele seu discurso de bêbado feito dentro da piscina na festa de formatura da faculdade que algum amigo sacana fez questão de subir para o Youtube? Um livro publicado às pressas é assim. Ele passará pelas mãos de outros profissionais – autores, editores, resenhistas –, passará pelas mãos de leitores mais ou menos exigentes, e por mais que você se esforce para tirá-lo do ar, será por ele que você será lembrado por muito e muito tempo.

Um mercado ávido por novidades que resenha até teaser de trailer e comenta a terceira parte de um filme quando nem a segunda estreou no cinema é um combustível poderoso para nossa ansiedade. Manter-se presente na vida do leitor e não sucumbir a esse ritmo vertiginoso é um dos grandes segredos de um autor. Pelo menos um autor que queria se manter são.

Não é que você não possa ser um cara de sorte e esfregar justamente a lâmpada que tem o gênio dentro, mas, de modo geral, pressa e literatura não combinam. Terminou o livro? Dê um tempo de gaveta e distanciamento. Recebeu um não da editora? Mande o texto para leitores-beta e faça uma segunda versão. O lançamento foi adiado? Aproveite para mais uma revisão.

E quando bater a dúvida, quando der coceira para lançar de uma vez na internet aquele conto que você escreveu em meia hora, numa tacada só, pare um pouquinho e pense: é este vídeo mergulhando de barriga na piscina e vestindo fantasia do He-Man que você quer passeando na mão de todo mundo daqui a algum tempo?

 

 

 

Eric Novello é formado pelo Instituto Brasileiro de Audiovisual. É autor, tradutor, compositor e copidesque. Já trabalhou com diversos nomes da nova geração da literatura especulativa brasileira. Estreou na literatura em 2004, tendo publicado contos e romances. Seus livros mais recentes são Neon Azul (2010) e A Sombra no Sol (2012). Site do autor: ericnovello.com.br [/author_info] [/author]

 

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